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PEDRA SOBRE PEDRA

20 de Outubro de 2015 | Manuel Martins
PEDRA SOBRE PEDRA
Opinião

1. Votei nas eleições legislativas no Partido Socialista por dever de militância, mas também convicto de que António Costa é um candidato sério com capacidades para governar Portugal com sensibilidade social.

Os resultados finais destas eleições expressam a vontade dos portugueses mas não deixam de ser uma derrota eleitoral para o PS, porque embora penalizando fortemente a coligação PSD+CDS em relação aos resultados de 2011 também confirmam o apoio às políticas que orientaram a sua acção governativa nestes 4 anos – e a elevada abstenção, com tantas opções de voto existentes, também não passa de uma “demissão” cívica (a coligação PSD+- CDS perdeu 730 mil votos; o PS ganhou 180 mil; a esquerda do PS ganhou 330 mil e a abstenção 180 mil).

Com estes resultados, espera-se que todos os partidos compreendam agora a utilidade de um governo estável, negociando cada um com base na afirmação dos seus programas eleitorais, consensualizando o possível para o bem dos portugueses. Até porque não vale a pena ter “ilusões” quanto ao estado em que Portugal se encontra: a nossa situação económica é má, o nosso financiamento ainda depende de entidades externas, o sistema financeiro ainda não recuperou de choques brutais sucessivos, a economia europeia dá sinais de anemia, a economia global está frágil e dois países que nos são muito próximos (Brasil e Angola) estão em crise profunda; a situação social em geral, principalmente o desemprego, é de emergência.

Não posso deixar de referir que António Costa foi vítima nestas eleições do caso Sócrates e, mesmo antes, também dos “socráticos” que o convenceram e “embalaram” para forçar a interrupção a meio do mandato de António José Seguro (“socráticos” que acabaram por “enxamear” as listas de candidatos a deputados do PS). Também durante a campanha eleitoral, ele próprio, com alguma surpresa, teve dificuldades em “explicar” o seu programa eleitoral, encerrando a mesma com aquela cena surreal da avaria dos microfones que, mesmo assim, demonstraram ter algum “bom senso técnico preventivo” face ao desnorte da intervenção seguinte de Carlos do Carmo – tudo junto foi mau demais e o resultado final é que não conseguiu cumprir o desígnio a que se propôs: “O PS tem que fazer tudo para evitar a maior tragédia que seria chegar às legislativas com resultados iguais a este”. (Março de 2014, criticando a “magra” vitória do PS nas Europeias).

Entendo por isso que “esta maior tragédia”, como o próprio António Costa antes a classificou, obriga o PS a uma reflexão profunda que conduza a uma renovação significativa da sua prática e propostas políticas – venha por isso um Congresso, venha o debate político interno permanente, limite-se dentro do partido e nos cargos públicos os mandatos, promova- se a participação dos jovens na vida partidária.

O PS fica agora numa posição charneira, podendo ajudar uma maioria à direita ou criando condições para uma maioria à esquerda – transformou assim uma derrota eleitoral numa vitória posicional. Aguentará com sucesso essa posição?

Muito dependerá da evolução da situação e do resultado das eleições presidenciais, pois o “jogo da noite eleitoral seguiu para prolongamento e as substituições estão esgotadas” – e todos os partidos estão já a pensar numa legislatura que terá o máximo de 2 anos!

É preciso conseguir sair deste estado confuso, lamacento e de descrédito em que a esquerda democrática socialista se encontra em Portugal, assumindo uma estratégia política objectiva e com visão de médio prazo que lhe tem faltado nos últimos anos.

 

2. Andei no passado mês de Setembro por Florença, cada vez mais “invadida” por povos asiáticos.

Comigo, na memória, levava aquele belo “Poema para Galileo”, de António Gedeão, declamado por Mário Viegas:

 

“Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,

aquele teu retrato que toda a gente conhece,

em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce

sobre um modesto cabeção de pano.

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.

(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.

Disse Galeria dos Ofícios.)

Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.

Lembras- te? A Ponte Vecchio, a Loggia,a Piazza della Signoria…

Eu sei… Eu sei… As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.

Ai que saudade, Galileo Galilei!”.

 

E, esta viagem, motivou- me também a ler um livro que agora recomendo aos meus leitores – o “Decameron”, de Boccaccio (edição da Relógio de Água, com tradução de Urbano Tavares Rodrigues).

É um livro de uma estrutura rígida, mas de leitura fascinante e fácil. “Aqueles dez dias em que se contam a cada dia dez contos” são as nossas (do Ocidente) “Mil e Umas Noites”. “São contos contra a peste que assola Florença”, páginas de ruptura que marcam o fim da Idade Média e o advento de um novo tempo.

O “Decameron” é um livro dirigido às “vítimas do amor de todos os tempos” – por isso não vale a pena dizer mais nada. Depois de proibido durante tanto tempo, é agora leitura recomendada no ensino italiano.

 

PS – Grande alegria desta noite eleitoral foi tomar conhecimento que o PS ganhou em Gondomar e em Paredes de Coura (terras que geminei no meu gondocouração), ambas governadas por autarcas que muito estimo do Partido Socialista – parabéns ao Marco Martins e a Vítor Pereira.

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