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Prever o futuro?

23 de Abril de 2024 | Sandra Fernandes
Prever o futuro?
Opinião

Hoje, decidi partilhar o meu maior receio, uma “moinha” que habita no meu subconsciente desde tenra idade. Sei que pode parecer estranho, mas acreditem que a pequena Sandrinha sempre se atormentou com este pensamento. Gosto de lhe chamar “picadinha na memória”, uma sensação momentânea e imprevisível. Permitam-me iluminar-vos, pois sei que ninguém gosta de estar no escuro. O assunto a que me refiro é a constante preocupação com o “dia de amanhã”, a perspectiva do futuro e a ansiedade em relação ao momento que se segue.

Sempre me preocupei com essa projeção, pois a ideia de ser surpreendida negativamente, pela falta de um planeamento ou previsão, sempre me atormentou. Lembro-me, como se tivesse sido ontem, de um exemplo dessa manifestação na minha infância. Sempre fui daquelas crianças que adormeciam cedo para acordar cedo. E quando me refiro a cedo quero dizer, adormecer por volta das 20h30 e acordar às 06h. No entanto, quando a responsabilidade de ir para a escola no 1º ciclo surgiu, a inquietação começou a tomar forma.

A responsabilidade de seguir um horário exacto e reter informações nesse horário impulsionou uma dedução na minha mente. “Tenho que aprender, portanto, tenho que estar ‘fresquinha’ para isso. Mas não posso deitar-me cedo demais por causa das tarefas.” Deste modo, fui obrigada a ajustar minha rotina, e foi assim que comecei a ter insónias provenientes da grande preocupação que depositava em mim. Ao deitar a cabeça na almofada, algo me impedia de descansar. Ficava nervosa com a passagem do tempo enquanto permanecia acordada. Tentava forçar o sono, mas acabava a conseguir o oposto.

Eu não queria dormir apenas porque estava cansada ou porque gostava de dormir. O que me atormentava era a ideia de não acordar a tempo para a escola, de não me sentir bem na escola, de sentir sono durante as aulas e, por sua vez, de não conseguir aprender. Estes pensamentos assombravam a minha mente quando era hora de ir dormir, tornando-se cada vez mais intensos até aprender a lidar com eles.

É aqui que surge a minha mãe que com sua persistência, ensinou-me a relaxar. “Sandra, acordar mais tarde não é um problema. Qualquer coisa que aconteça tem solução e não é irreversível. Em vez de te preocupares com possíveis cenários, pensa em como podes lidar com eles para o teu próprio benefício.” Era, mais ou menos assim, que ela me tranquilizava antes de ir dormir. Proferia-o enquanto se esticava ao meu lado e esperava que eu adormecesse ou, melhor dizendo, que eu parasse de mexer os pés, sinal que eu dizia ser a evidência de que já me encontrava mergulhada no sono.

Hoje em dia, as minhas projeções são um pouco diferentes, mas esta inquietação permanece comigo. A mudança é que agora sou mais pragmática e penso imediatamente em soluções para os possíveis cenários. Um conselho que sempre me deram foi o de me abstrair, mas isso torna-se impossível quando se trata de colocá-lo em prática com sucesso. Esta forma de defesa agora faz parte de mim, considero-a um traço da minha personalidade: tentar antecipar tudo o que pode acontecer.

Apesar de muitas dessas projeções não se concretizarem na realidade, sinto-me mais confiante e preparada por saber que tenho recursos para lidar com elas. Isso é uma forma de me defender e tornar a minha vida, pelo menos na minha mente, mais interessante.

Tenho uma grande curiosidade em saber como reagiria em situações desconfortáveis. Não deixei de viver o presente, mas vivo-o recorrendo à curiosidade e a uma grande dose de imaginação. Não deixei de sentir ansiedade, mas aprendi a lidar com ela, sabendo que, aconteça o que acontecer, tenho as minhas cartas na manga. Não me tornei despreocupada, mas sim passei a confiar mais nas minhas capacidades.

Pensar no futuro, pode ser um tormento, mas se o fizeres com cautela e não o vires como um problema incontornável, pode ser uma mais-valia para a forma como encaras os obstáculos.

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