Sentado numa esplanada de café, que é também, nas outras mesas ocupadas, de pequeno almoço em prato de cachupa, da praça Alexandre Albuquerque, da cidade da Praia, escrevo esta crónica depois de uma semana por estas terras cabo-verdianas.
Em redor, ouço o crioulo, já que o português apenas é falado quando estritamente preciso, ainda que seja o idioma usado nas escolas e universidades, tendo o cabo-verdiano – daqueles que encontro na rua e os que são rapazes-taxistas –, contrariamente ao timorense, um domínio muito bom da língua portuguesa.
Passeando pelo Plateau, centro administrativo e comercial da cidade, observo os mínimos pormenores.
Das mulheres vendendo silêncios, em cestos coloridos de fruta e caixas de bugigangas, sentadas em latas de água vazias, olhando o céu azulado, no qual brincam os rapazes em inventadas brincadeiras.
Do comércio tradicional, ainda mantido na sua natureza de veridicidade do mercado, em que impera o preço justo, com gente envelhecida a vender a pessoas de diferentes idades.
Dos táxis que enxameiam a cidade, buzinando à procura do cliente.
Dos autocarros que circulam lentamente, mas que são uma novidade, sendo uma alternativa de transporte, mais barata e bastante cuidada, e que tive a oportunidade de utilizar entre o hotel e o Plateau e entre o hotel e o Palmarejo.
Do sol que brilha pelas nuvens cinzentas, destituídas de água, como se tivessem sido eternamente condenadas a um trabalho desumano.
Dos homens que na rua jogam às cartas, sendo mais os mirones que os jogadores, defronte de uma barbearia de bairro, estrategicamente situada.
Das vozes simpáticas que atendem os extasiados turistas, que falam e bebem e gesticulam como se fossem os donos do mundo inteiro.
Dos alunos que saem do “liceu”, rigorosamente vestidos e asseados, cheios de conhecimento depois de uma manhã exigente.
Dos velhos sentados em bancos de jardins, à sombra de tímidas árvores.
Dos jovens, mais descalços e desvestidos que a estátua do descobridor que olha para o mar, junto ao palácio presidencial, que lavam carros em baldes de água sabiamente conquistados.
Do livreiro e proprietário de café que me vendeu o romance “As memórias de um espírito”, do premiado Germano Almeida, da ilha de S. Vicente.
E da mulher, dos seus oitenta anos, que fazia a viagem longínqua entre a sua porta da casa de um só piso e a cadeira, de plástico branco, que estava mais uns metros à frente, no limite do passeio, encostada à sombra de uma árvore.
Entreolhámo-nos. Parei. Deixei-a passar, esperando que se deslocasse, sem pressa, e com toda a calma, como se o tempo estivesse por inventar.
Sorriu abertamente para mim. Disse-lhe “Bom dia”. Respondeu-me “Bom dia”. E acrescentou: “Como está?”. “Bem, obrigado. E a Senhora? – respondi e perguntei. “Velhice, sabe” – lamentou-se. Engoli as palavras pronunciadas num português corretíssimo. E tornou a falar “Um bom dia para o Senhor”. E respondi “Muito obrigado, fique bem”.
Só por esta conversa a viagem de trabalho a Cabo Verde valeu a pena. O que os doutorandos, na Universidade de Cabo Verde, aprenderam ou não ao longo de uma intensa semana, parece-me que tudo isso se tornou secundário.