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QUOTIDIANO

26 de Março de 2019 | José Augusto Pacheco
QUOTIDIANO
Opinião

Há uma ilha distante no oceano índico e nessas águas da cor do céu que a delimitam espelha-se um país chamado Timor-Leste ou Timor-Lorosa’e.

Na sua orografia de montanha agreste, implacável e por vezes desumana, viveram várias gerações centradas sobre si mesmo, depois do sândalo ter sido a base dos contactos com outros povos, falando uma língua de muitos dialetos, o Tétum. E surgiram reinos e afirmou-se a autoridade de base ancestral, com as suas antagónicas regras: conservadoras e dinâmicas. O território espelhou-se nesses poderes distribuídos pelos sucos e tudo parecia que fosse assim para todo o sempre. Mas não.

Os comerciantes e militares vindos de barco instalaram-se e o comércio das especiarias e madeiras justificava a ocupação dos mares, bastante disputados pelas potências europeias, com relevo para portugueses, espanhóis e holandeses.

Com a revolução de abril de 1974, a independência foi declarada unilateralmente, um ano depois, já quando os indonésios não precisavam de bater à porta para entrar.  Instalou-se a guerra civil. E nesse período mundial da guerra fria, os americanos disseram-lhes para entrar e aqui chegaram, em 1975, para provocar o sofrimento e criminalizar o uso da língua portuguesa.

Com o agravar da guerra civil, o último governador de Timor-Leste fugiu para a ilha de Ataúro, próxima de Díli, e de lá assistiu à entrada musculada dos militares do regime de Suharto, que assim transformaram o país na sua 27ª província. Porém, e perante o direito internacional, Timor ficou sob a jurisdição da potência administrante, uma vez que Portugal não reconheceu essa ocupação de má memória, como já tinha sido a dos japoneses na segunda guerra mundial. E passaram-se muitos anos de silêncio de uma ilha de muita montanha, com esconderijos por todo o lado e quase inacessível, que passou a ser o lar da resistência timorense.

Começou a vida dos guerrilheiros. Dormiam no chão, sofriam a picada dos lacraus, de dores lancinantes, tiveram malária e dengue, viveram subnutridos, lutaram heroicamente, muitos morreram, e tiveram dignidade, como um dos seus últimos líderes, Koris Santana, para utilizar o título do livro escrito pelo historiador José Matoso.

Tenho conhecido alguns desses homens, e também mulheres, muitos saídos da escola para se esconderam na montanha, participando nas mais diversas atividades da guerrilha, que estupidamente os indonésios acreditaram poder um dia vencer, como os muçulmanos no início do século VIII em relação aos cristãos refugiados nos picos da europa. Todos contam verdades vividas e sofridas, em relatos que não me canso de ouvir.

Com o massacre de Santa Cruz, em 1991, a causa timorense tornou-se conhecida a nível no mundo os laboriosos e experientes António Guterres e Jorge Sampaio apanharam boleia no carro democrático conduzido por Bill Clinton. Mais uns anos, e a população referendou, em 1999, a independência, com custos enormes para a população timorense que sofreu a bom sofrer a ação das milícias. Em 2002, a ONU, depois desse homem chamado Vieira de Melo ter sido o responsável pela liderança astuta de conduzir um povo à sua autonomia, depositou nas mãos dos timorenses o seu futuro. E bem entregue.

Cheguei pela primeira vez a Timor em 2009, vivia-se ainda o medo de 2006, em que os interesses de outros países jogam com as pessoas, num teatro político de marionetas. Regressei várias vezes e sempre que chego a Timor, e sempre que parto daqui, de onde escrevo esta crónica, fico com uma vontade enorme de conhecer cada vez mais os timorenses e de os apoiar na sua missão de vencerem a batalha da educação, que é sempre uma arma, de paz e de emancipação das pessoas e dos países que habitam. Perdi a conta às viagens, um dia talvez as conte pelos registos do passaporte, com tendência para aumentar nos anos mais imediatos.

 

 

 

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