O sofrimento vai acabar?
É a pergunta de respostas várias a partir da leitura de um cartaz de propaganda religiosa – e que religião interessa agora? –, protegido por duas mulheres, bem vestidas, de sorrisos estampados no rosto, como quem vende a felicidade a troco de palavras roubadas a transeuntes da rua Nossa Senhora de Copacabana, numa segunda-feira, pela manhã, num final de verão com muito sol, depois de uns dias de chuva tropical.
Retardo o passo, sem a minha curiosidade se mostrar, e aprecio demoradamente o quadro desumano que está a ser pintado por pessoas de caminhos descruzados. Mais atrás e mais à frente deste cartaz que promete acabar com o sofrimento – e saberão essas duas mulheres os sofrimentos que as pessoas transportam no interior de seus corpos e mentes? – há uma imagem surrealista, difícil de ser aceite num mundo que deveria ser mais humano.
Jovens, e contei cerca de vinte, num curto espaço de tempo, maioritariamente na adolescência, e mais homens do que mulheres, dormem indiferentes na rua, tendo por almofada um cartão e por colchão o chão da rua, movimentada de carros, cheia de vendedores de publicidade e apressada nos passos que cada um dá sem olhar para o lado.
Comparo as duas imagens e o surreal fica ainda mais difícil de entender, porque o sofrimento está ali, estampado nos corpos semimortos, desumanos, desprezados, abandonados, ignorados e incompreendidos, mesmo por aqueles que prometem, pelas palavras, acabar com o sofrimento.
Mas não, o seu público é outro, por isso estão ali na rua movimentada de pessoas, procurando falar mais com os velhinhos do que com as crianças e jovens, já que destes salta a alegria e daqueles a tristeza, como se a vida fosse um carrossel de gente feliz com lágrimas, em que se chora apenas num determinado período da idade.
Mas também não, nada é assim tão linear, porque o sofrimento não escolhe idades.
No regresso ao hotel, no posto 3 de Copacabana, caminhei pela avenida Atlântica, pejada de turistas, de pessoas em direção à praia, de vendedores de tanta coisa, de bares com música brasileirinha, de chopes matando a sede, porque para a boa cerveja não há hora determinada, e não encontro qualquer cartaz religioso perguntando pelo fim do sofrimento.
Também não vejo jovens dormindo no passeio e se por ali andarem ficam no radar da polícia, não consentindo que se pintem quadros de miséria humana nesse espaço tão idílico e insofrido.
Mas encerro esta visão, deixando para trás dias memoráveis em Paraty, numa viagem pela costa de muitos quilómetros e de muita beleza natural, sobretudo de uma cidade que sabe receber, que tem passado histórico e que se abre de um modo hospitaleiro a seus visitantes. E para quem já leu crónicas minhas do Rio de Janeiro, e se através delas conheceu, pelas palavras sempre incompletas que pude escrever sobre ele, o Alfredinho do Bip-Bip, só lamento dizer que já partiu para o céu do samba e do chope, sendo agora mais tristes as noites por Copacabana.