Depois que as lavradas deixaram de se realizadas, perdendo-se assim todo o bucolismo de uma cena agrícola digna da tela mais brilhante, quer bem poderia ser exibida nos museus ligados à vida quotidiana, em que o esforço dos homens e mulheres rivaliza com os músculos sobressaídos de animais sufocados pelo peso de um arado e pelo aguilhão, mais pesado ainda pela terra que tem de ser rasgada, levantado leivas de uma terra fértil, ganhou peso nos campos de Coura o tratorista.
Ainda agora telefonei a um deles, colega da escola primária, para fresar uma terra, e a resposta foi perentória, e dentro do que já estava à espera: “Só depois de maio”.
Isto quer dizer que o tratorista se tornou uma profissão de pleno emprego, com horas redobradas em maio, mês em que as terras são lavradas para o milho, já com as batatas a nascer ao lado.
A força dos braços para a realização das lavradas foi substituída pela máquina e perícia do homem, e também da mulher, que conduz o trator, um dos veículos mais perigosos, com muitos acidentes.
Lembro-me bem de um desses acidentes nos campos da Casa da Veiga.
O campo defronte da casa, voltado para sul, onde hoje estão alguns prédios e o museu, tinha um enorme declive, com um muro suportado pela terra. Era um declive, talvez, de dois a três metros.
O campo de baixo, que ia até ao regato (parece que nunca lhe conheci nome algum) era o mais ladeiro de todos, não sendo muito propício a tratores, mas o de cima, bem como o campo grande, que confrontava com a estrada nacional, tinha, nos últimos anos, como visita obrigatória o trator, sempre nas duas primeiras semanas de maio.
Já pelo fim da tarde, para aproveitar o tempo ameno primaveril, já com marcas de um verão que se anunciava muito quente, e depois de muitas horas passada no trator, porque o dia começava bem cedo, sem tempo para descansar, o Tone de Cristelo, senhor da sua máquina feita de força bruta, lavrava o campo, no sentido poente-nascente.
Cometido por algum problema súbito de saúde, ou mesmo pelo erro, com origem no cansaço, a máquina desgovernada seguiu em frente, caindo no declive e ficando o seu corpo débil debaixo do trator.
Tocou a sirene, vieram os bombeiros, mas a morte já tinha chegado.
Nada havia a fazer, a não ser sofrer na dor de ver partir uma pessoa que era tão familiar.