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28 de Março de 2023 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Já faz sol há muito tempo, sem pitada de frio ou chuva. Faz sol desde o raiar aveludado no país do sol nascente.

É quase meio-dia e olho pelas vidraças do Hotel Timor para as motas que nunca se cansam de caminhar, por entre os carros que com elas partilham uma estrada que parece não ter regras.  É o caos perfeito de uma cidade que vive intensamente o seu tempo diurno, mergulhando depois no breve silêncio da noite.

A meu lado estão pessoas, vivendo dentro de computadores, telemóveis ou iPad, distraídos com o seu trabalho de cooperantes que obriga constantemente à realização de reuniões, à elaboração de documentos e a muitas conversas. Tudo se escreve, tudo se anota e tudo se faz dia após dia, como se o tempo não passasse.

À porta principal do Hotel Timor está um funcionário, na sua condição de porteiro, com a tarefa de  abrir a porta – de duas folhas de vidro, meticulosamente limpas – a quem sai e entra, não reparando que os que entram chegam mortificados pelo ar quente que se respira e pela humidade que se pega ao corpo. O porteiro do Hotel Timor veste-se a rigor e tem por profissão o sorriso, a deferência, a vénia, cedendo o seu lugar, pela noite dentro, a um segurança sem palavras e sem gestos.

Os hóspedes entram e ficam no oásis do ar condicionado, nas mordomias de um espaço de registo colonial: longos corredores, grandes salas, amplos quartos e decoração que transporta as pessoas para o interior de Timor-Leste através do artesanato, sobressaindo os panos de Tais, as esculturas e as máscaras sulcadas em corpulentos ramos de madeira, que não têm o perfume e a resistência do sândalo de outrora.

Ao lado da grande porta do Hotel Timor há duas máquinas ATM, onde se pode levantar dólares americanos, porque o dinheiro timorense apenas tem moedas até um centavo, que vale tanto como um dólar, num casamento perfeito entre a moeda forte e a moeda fraca.

Uma dessas máquinas tem o símbolo de um banco português, porque caixa também é banco, sossegando quem se aproxima, num ambiente acolhedor e simples.

Hoje saí e voltei.  E mais logo voltarei a sair, e quando entrar, pelo fim da tarde, já não pensarei em sair do Hotel Timor. É um microcosmo de nacionalidades, projetos de cooperação, ideias e pessoas que transitam, transportando suas mochilas de trabalho, onde não pode faltar a garrafa de água, nem o computador.

Buzinam na estrada paralela ao Hotel Timor motas e carros, o trânsito adensa-se como formigas à procura de cheiros salvadores, o sabor da comida bem portuguesa espraia-se, e mais pessoas voltam do trabalho matinal, dizendo a si mesmas que mais metade do dia está cumprido.

A noite chegará cedo, faça sol ou faça chuva em Timor-Leste.

Agora apenas faz sol e tenho de reconhecer que me sinto quase em casa no Hotel Timor, mesmo que a minha mente ande nove horas atrasada.

 

 

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