Gostaria, um dia, de escrever não estas crónicas – que já vão longínquas, porque não quero fazer da crónica o diário de um tempo mais alargado – mas um breve comentário sobre fotografias do quotidiano das pessoas, e dos seus tempos diferentes.
Teria, assim, a hipótese de me distanciar da cultura individualista que reina nas redes sociais, para valorizar os dados objetivos de uma realidade social, sempre subjetiva no momento de ser captada por uma fotografia.
Cada instante que qualquer foto fixa (dantes, em papel, hoje, em registo digital) é suscetível de ser interpretado de várias maneiras, havendo olhares muito diferentes, mais ainda quando fazemos parte desse momento único.
E como tenho imensas fotos da recente viagem a Timor-Leste, quase que me atrevo a dizer que não posso escolher nenhuma delas, falando, pelo contrário, daquelas que não tirei, e que gostaria de as ter feito.
Enumero, por conseguinte, três momentos a registar.
Uma foto da rua 25 de Abril, que todos os dias percorri a caminho da Universidade Nacional de Timor Lorosa’e.
Não seria uma foto sobre um transeunte a correr na passadeira, ameaçado por carros e motas em buzinão constante, já que o direito do peão ali não existe, mas sobre os vendedores, quase todos homens, de jornais, tabaco, vegetais, combustível em garrafas, galináceos e cachorrinhos.
Tiraria a foto a um desses cachorros, para perpetuar olhares comovidos de animais indefesos, pois nada mais posso dizer, para não ferir sensibilidades.
Uma outra foto seria a de um homem de rua, na casa dos cinquenta anos, muito envelhecidos, olhando, vagamente, para o mar cheio de serenidade e sem segredos para ele.
Em silêncio total, descalço, de cócoras, esse homem alheia-se das pessoas que passam junto a si, preferindo nada dizer, conversando consigo mesmo, se é ainda possível ter algum entendimento de si próprio, sobretudo quando a dignidade social lhe foi drasticamente roubada.
No aeroporto, a última foto seria sobre o meu momento de partida. Gostaria de ter um olhar alheio sobre mim, quando já estava focado na porta do avião, mais precisamente quando olhei para trás e, de relance, senti dentro de mim as montanhas verdes de Díli, que tinham, por sua vez, dentro de si a afetividade das pessoas e a magia da natureza.
Mas essa seria uma foto que teria de entrar na mente e não apenas registar um corpo andante, a vinte horas de três voos, intervalados por muitas horas de espera, para chegar ao seu destino.