Se seguirmos pela estrada municipal que liga Afe, Moselos, a Formariz (de Cima) – e como reza a tradição, feita de um fundo religioso, já que o que a torna tão duradoura e persistente é a crença, como se fosse uma questão de fé –, passamos junto ao campo da fome.
Quando minha irmã Rosa me contou, pela primeira vez, a razão de o tal campo ter sido assim chamado, registei a informação, nada mais, embora, e sempre que escolhíamos esse percurso de ligação rápida entre Santa e Formariz, ela fizesse questão de me contar novamente a sua versão, que ouvira a tantas pessoas de Formariz e de Moselos.
Um dia – e belo não era, certamente! – o campo estava a ser preparado para a sementeira, sabendo-se que, pela localização e pelas águas que nele correm todo o ano, a colheira seria sempre pródiga. Aliás, as espigas de milho que o campo dava com tanta prodigalidade não precisavam de placa publicitária de qualquer adubo, pois a sua produção era por demais falada.
Eis quando, cambaleando e dizendo palavras sem ser ouvidas pelos outros, surgiu no caminho um mendigo.
Indiferente aos olhares de quem comia a segunda refeição do dia, agrupando-se as pessoas à volta de alguns cestos e de muitos garrafões de vinho, o mendigo entrou pelo campo adentro, sentando-se, depois, já fatigado, junto a uma pedra divisória.
Pediu uma exígua côdea de pão. Somente isso. E nada mais.
Em resposta, ouviu uma vozearia de palavras negativas, como se fosse um cão que estivesse a ser enxotado, sem dó e sem piedade.
Condoidamente, o mendigo entendeu muito bem a mensagem. Mas quando abandonava o campo, puxou pelos pulmões que quase já não tinha e, com uma tristíssima voz, gritou estas palavras de raiva plena: “Este será, agora, o campo da fome”.
Nos anos seguintes, o campo continuou a ser anualmente lavrado, mas nada produzia. O mendigo dissera a verdade. O fértil campo de milho transformara-se no campo da fome.
Há, contudo, uma outra versão. Em vez do mendigo é um cão, também ele enxotado. E, mais ainda, fortemente apedrejado.
Nesta versão não há uma voz a desejar a maldição, mas são os olhos moribundos do cão que traduzem a dura realidade do desprezo.
Porém, a maldição já caiu por terra, e o campo voltou a ser produtivo, talvez porque alguém, no seu tempo de arrependimento, deve ter feito algo de bom a esse desconhecido mendigo ou a esse cão vadio.