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19 de Novembro de 2024 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Apoteose dos Mártires”, de Mário Claúdio, é um romance com Coura dentro. Mais: é o romance que liga, definitiva e intimamente, o renomado escritor ao concelho, pelo que será de dizer que Coura, além de terra de Aquilino, é terra de Mário Cláudio.

Tudo começa em Lizouros, esse lugar da freguesia de Cunha.

A criança tem cinco anos e, sem livros, tem a terra como imaginação, e é da terra que esgravata o arozinho de ouro que lhe servirá de amuleto e de eterna recordação. Aos onze anos conhece a sua linhagem nobre, ligada ao visconde que as Terras de Coyra tinha em suas mãos, e tem consciência de que, como segundo filho, tem de partir, dividindo-se entre a afetividade da mãe, que lhe incute outros valores, e a opção militar do pai, podendo, um dia, voltar rico à sua aldeia.

Depois de ter descoberto o jogo dos ossinhos, em Ferreira, e de ter alinhado com o grupo de rapazes de Cunha numa caminhada fugaz a Tui, embarcou, em Lisboa, numa das naus da carreira da Índia, com chegada à afamada Goa.

O pai vencera, é um facto, já que Tomás Rodrigues da Cunha assumiu o comando de uma esquadra, enquanto a tristeza e a inquietude lhe enchiam a alma.  Teve conhecimento, pela boca de um escravo, do martírio de vinte e seis religiosos e assistiu à realização de um auto de fé, revelador da desumanidade da religião cristã de então.

Foi tomado pela melancolia. Hesitou. Pensou. Decidiu ser Carmelita Descalço, tendo como propriedade o arozinho de ouro, da sua sempre terra de Lizouros, e uma cantarinha de barro, que lhe amansava a sede. O seu nome passou a ser o de Frei Redento da Cruz, partilhando profunda amizade com o Frei Dionísio da Natividade.

Quando participou numa missão de paz, foi capturado no reino de Achém, ilha de Sumatra. Interiorizou o sacrifício e na luz divina consumou a redenção de si e dos outros, enfrentando a cruel morte como mártir. Sorridente entrou na eternidade.

Na alma do mártir deflagrou uma fogueira de labaredas altíssimas, que de Lizouros também se enxergaram, tal como abundaram para sempre os ninhos de andorinha nas ermas casas deste lugar.

Eis alguns dos traços que podem identificar Frei Redento da Cruz, documentado e imaginado, nas lacunas dos factos, pelo escritor Mário Cláudio, cuja destreza de escrita o coloca no lugar cimeiro da literatura.

E Coura, grata como é, só tem de lhe agradecer, reforçando quer a pertença íntima de Mário Cláudio ao concelho, protegido por S. Silvestre e pela N. S. da Pena, que habitam na sua mesa de trabalho, em Venade, quer o regresso da memória do Frei Redento da Cruz.

 

 

 

 

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