Tenho pensado em mudar a escrita destas crónicas, já lá vão tantos anos e se não se mudar há algo que pode provocar cansaço aos leitores. Se tivesse de mudar, escolheria escrever sobre uma fotografia, que seria a base da análise das ideias que pudessem ser associadas a essa imagem, tanto de lugares e espaços, como de pessoas e acontecimentos.
Desta vez, escreverei sobre imagens do quotidiano da cidade da Praia, por onde andei estes dias, numa viagem de ida e volta, bastante rápida. Mesmo assim, não dispensei o passeio matinal pelo “Plateau”, de modo a sentir o pulsar da gente cabo-verdiana que é um hino à coragem e hospitalidade.
Num mural junto à sede dos Combatentes da Liberdade da Pátria, similar à Liga dos Combatentes, formada na década de 1920, para homenagear os combatentes da I Grande Guerra – e falarei na próxima crónica da excelente e oportuna comemoração que a Câmara Municipal promoveu, com destaque para uma exposição, duas conferências, um livro e um memorial –, Amilcar Cabral, inconfundível no seu rosto de profundo humanismo, olha para o futuro, espelhado na imagem de uma criança.
Numa outra fotografia, um homem lava um carro, como tantos outros o fazem, no centro da cidade, como trabalho de sobrevivência. Mais à frente, retirada a fotografia de uma parede, há uma porta fechada, talvez já há imenso tempo, a julgar pelo seu estado degradado, que foi, como o atestam as palavras, a Barbearia F. D.
Depois desta imagem, que retrata a paragem do tempo, tive a curiosidade de olhar para o interior de muitas barbearias que existem no “Plateau”, sempre cheias, barulhentas de conversas apressadas.
E para abreviar, mais uma fotografia, tirada ao ilhéu Santa Maria, onde no passado existiu uma prisão e que agora já tem uma ponte construída, por mão de obra chinesa, que servirá de ligação à praia da Gamboa, onde já está construído um hotel enorme, desproporcional à malha urbana.
E será nesse ilhéu que nascerá o casino da Praia, de acesso fácil por mar e controlado por interesses que fazem parte do jogo. Recordei-me de Macau, da sua fisionomia ligada ao lucro, alimentada por paixões que desgraçam mais do que encantam.
Por mais imponente que seja este complexo do jogo, na cidade da Praia, nada se comparará a Macau, mas a sua existência fará que outros caminhos sejam percorridos, voltados para as mais-valias que ficarão numa terra que precisa do turismo como pão para a boca.
Mas do futuro não constará nenhuma imagem do presente ligada às pessoas que fazem crescer os edifícios e as pontes.
Deles não é, decerto, o reino da terra.
Cabisbaixos, trabalham; tristemente, vivem (ou não vivem?); disciplinados, obedecem. Não falam com os locais, não saem do seu espaço murado onde dormem e comem, não olham para o mar, que poderia estar no horizonte do fim de um martírio, sobre o qual há várias teses.