Filha que cassasse ficava em casa. Eis a norma da Casa da Veiga, paredes-meias com o penedo, que hoje é um miradouro, algo limitado pela copa das árvores que foram crescendo descontroladamente nos campos de milho descultivados.
Aurora cumpriu a promessa, mas depois de tantos anos em partilha familiar, disse sim ao marido e foi viver para o lugar de Santa, com três filhos no regaço e mais um no ventre.
Tinha agora uma casa própria e de lá podia ver todos os dias a Casa da Veiga, embora passasse por lá todos os dias, assumindo as tarefas do quotidiano, já que o corte do cordão umbilical não podia ser feito de modo definitivo.
Quando partiu para a sua casa de Santa, Aurora pediu a seu pai, Albino, no cognome, e José Fernandes, no nome e sobrenome, que fosse, todos os domingos de primavera e verão, pois os dias de inverno eram chuvosos e lamacentos, habitados por caminhos íngremes e perigosos, almoçar a Santa.
E o compromisso foi cumprido durante anos, como ato litúrgico de uma fé inabalável existente numa comunhão familiar.
Pelo meio-dia, Albino já estava em Santa.
Saía da Casa da Veiga, pelo cabano, seguia pelo caminho de Rande, passava pela Volta da Quinta, recordando-se de seu irmão Guilherme, que tivera, junto à estrada, uma mercearia de grande movimento, principalmente nos dias de feira de Paredes, entrava no caminho de Santa e logo estava em casa da filha mais nova, que o esperava com preocupação, porque o pai já tinha uma idade avançada, deslocando-se com dificuldade, agarrado a uma vontade férrea de ser movimento.
Mal chegava, a sopa tinha de estar no prato, os netos já sentados à mesa, cumprindo a ordem da mãe, e o ritual do almoço cumpria-se em conversas de ambientes amplamente partilhados pelas vivências comuns que os uniam, sendo que ele era o patriarca, de palavra dada, de palavra incontestada e de palavra respeitada.
Almoço terminado, começava o tempo de descanso. Se fizesse sol, o seu banco de madeira, com uma almofada acolhedora, esperava-o num lugar bem quentinho, protegido das agrestes nortadas.
Se as nuvens caminhassem negras pelo céu, ficava por casa, junto à lareira, dormitando e vagueando pelos longos e duros anos de uma vida cheia de família.
A meio da tarde, e depois de ter tomado um café de cevada, com pão de milho, Albino regressava à Casa da Veiga, tendo ainda a companhia dos netos, por alguns metros, ao longo do caminho de Santa, mas, uma vez chegado ao caminho de Rande, o percurso era seu, e subi-lo, depois do ribeiro, era um rosário só seu, que aceitava como um verdadeiro desafio de vida.
Sim, Aurora, minha mãe, e Albino, meu avô, que conheci até aos meus sete anos.