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17 de Dezembro de 2019 | José Augusto Pacheco
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Navego nas águas amareladas da baía Guarujá, formada pela confluência de grandes rios, tendo como contexto a estação das docas, antigo porto marítimo e alfândega e que hoje é o centro de Belém, no Pará.

Navego, ainda, nos barcos imensos de águas matizadas pela diversidade da Amazónia, que conheci ao longo de duas semanas, na capital erudita e culta de Belém, moldada pela cultura portuguesa, bastante afrancesada, de que o Teatro da Paz, de 1878, é um exímio exemplo, exibindo-se, hoje em dia, na sua plenitude de espaço público e democrático, pois não é jamais frequentado pelos senhores da borracha, cultos e politicamente ativos e que à volta de si tinham círculos de elite que não cabem de todo na narrativa de Ferreira de Castro, em “A Selva”, cuja aventura de um cidadão português é açolada pelas dinâmicas particulares e quentes e saborosas de uma Amazónia, que brilha numa junção maravilhosa de árvores, terras e águas.

Habitei Belém, fui cidadão de Abaetetuba, de uma Amazónia de floresta pura, feita de águas imensas, e, furtivamente, fui de Bragança, no oeste do Pará, onde a ancestralidade portuguesa está bem viva, misturada com a negritude de África, representada pelo Santo Benedito, em cuja fé me torno marujo, absorvendo a religiosidade como quem bebe as águas infindáveis amazónicas.
Sou apenas um momento. Mas essa é uma outra Amazónia, a dos fazendeiros, a da exploração agropecuária e piscatória que ameaça as comunidades que vivem do sustento da terra e das águas. Se de Belém a Abaetetuba o caminho é o das águas e floresta, o de Belém para Bragança é o das fazendas entrando pelas florestas, como fogo que destrói um habitat de gerações.

Depois de tantas viagens e emoções, estou em Belém, vivendo um sábado na individualidade – de ruas apinhadas de gente, olhando, passando, comprando e vendendo – em plena rua de Santo António, que me leva aos mercados de “ver o peso”, nas suas coreografias surpreendentes de um contexto inolvidável. Sim, é um mercado de muitos mercados, separados pelos produtos que se vendem e compram, numa azáfama interminável de pessoas, que apenas o grande bazar de Istambul pode superar.

A Amazónia tem saberes profundos e vastos que as suas comunidades tão diversas traduzem em identidades próprias e genuínas.

Fui quilombola, fui ribeirinho, fui tanta coisa que estas duas semanas não podem ser narradas no exíguo espaço desta crónica.

Mas dentro desta vida tão própria e genuína, sou apenas viajante e recordo com intensidade redobrada os quatro anos atrás, em novembro de 2015, em que aqui estive erradamente, porque emocional e convictamente estaria no aniversário de meu pai, que completaria cem anos de vida. E com ele estava a sua mulher, Aurora, com quem Arnaldo fizera um pacto de amor – “Tu e eu somos dois, porque eu sou 11/8 e tu és 8/11” – e assim foi tecido um romance de vida, que revejo nestas águas amazónicas, dizendo-me que a vida é infindável, mais ainda a daqueles que são as nossas raízes e que ficaram para todo o sempre em seus ninhos de aconchego mágico.

E agora vou beber o café expresso, já frio de tanto esperar, ainda que seja aquecido pela cachaça de jambo, que de um só gole bebo numa religiosidade verdadeiramente profana.

E de terras tão longínquas saboreio essa terra de meus pais, e também minha, que é Paredes de Coura.

 

 

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