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9 de Junho de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Há frases que nos marcam de forma absoluta, como se fossem memórias para sempre e que nem o tempo consegue apagar.

Sim, o tempo feito de momentos confere a singularidade às coisas, dando-lhes um espaço, ou espaços de tempos, nos q      uais agimos em função da nossa experiência quotidiana.

Recordo aqui uma frase, que ouvi, pelo menos, em duas ocasiões distintas.

A primeira, nos confins da ilha de Timor-Leste, num dos seus extremos, após uma longa viagem por estradas intransitáveis.

Depois de ter comprado conchas de mar a várias crianças, que certamente as apanharam no imenso areal de águas azuladas, e na despedida, numa sonoridade perfeita e bastante expressiva, saindo de bocas cheias de sorriso e de satisfação, vi palavras a saltitarem nesse espaço de afetividade única, que é o mundo das crianças, formando um elo de entendimento e de vontade:

“Vá com Deus”.

Melhor dito, respeitando o que realmente ouvi e vi e gravei para sempre:

“Váááááá… com DDDDEussss”.

Não havia pressa e as crianças tinham todo o tempo do mundo para prolongarem as sílabas que testemunham algo de especial.

A segunda ocasião em que ouvi a frase “Vá com Deus”, mas desta vez, um mais sincopado “VáCoDeus”, foi num mercado de bairro, em que as pessoas já se conhecem, longe do anonimato dos grandes espaços comerciais, em que o cliente é uma mera coisa, ou apenas um número, interessando mais a quantidade do que o rosto do comprador.

Depois dos produtos terem sido registados e depois do pagamento, e após eu ter dito “Não preciso do talão”, a minha interlocutora, deseja-me que Deus fique comigo, reforçando a proximidade de uma vontade de bem-estar.

Como seria diferente se tivesse dito “Não encontre o demónio!”.

“Vá com Deus” é uma expressão popular que retrata bem quer o peso da religião no nosso quotidiano, quer o modo como nos sentimos bem ao usarmos frases que nos dão conforto, segurança e firmeza.

São estas frases que nos fazem sentir bem. Quando a ouvi, desta última vez, c0nsultei de imediato o livro de Narciso Alves da Cunha, mais concretamente o capítulo XXIV “Linguagem popular, vocabulário e locuções”.

E essa expressão não é referida, embora as gentes de Coura a utilizem, tal como noutra regiões deste país, que tem muitos linguajares.

Já agora, em Coura, segundo Narciso, “larece-se”, ou seja, fala-se muito.

E ainda bem, porque é ótimo, em tempos de desconfinamento.

 

 

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