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4 de Agosto de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Desde os tempos longínquos e quase solitários, em que Maria Grove fundou o lugar de Paredes, outros lugares surgiram, por aqui e por acolá, nos sítios mais improváveis, em todo o concelho de Coura. O concelho tem na sua génese um aglomerado de lugares que foi dando robustez às paróquias e às freguesias, numa complementaridade quase perfeita entre o divino e o administrativo.

Quantos lugares fazem uma freguesia?

Estritamente os necessários. Não existe uma resposta.

Por isso, o lugar é a nossa primeira identidade, que começámos a conhecer e a interiorizar com as primeiras mamadas do leite materno. Depois há outras identidades que aparecem e que se vão sobrepondo, como camadas de um bolo delicioso.

Falo do meu lugar, o de Santa. Desde os primeiros passos conheço todos os seus recantos, anotei na memória as suas transformações e guardei profundamente os seus cheiros, qual relíquia a preservar. Conheci pessoas de várias gerações (com quantas gerações nos cruzamos?), sabia das suas casas e dos seus ofícios, na sua maioria dependentes da agricultura.

Uma coisa que mais me marcou foi sem dúvida a água que existia no lugar. Uma fonte de água pura, das mais frias de que o concelho é farto, jorrando para um tanque público, rodeada de pessoas, sobretudo de mulheres e crianças. Havia uma outra fonte bastante próxima, nas menos abundante e raramente habitada pelas pessoas.

A fonte era o centro do lugar. Não havia mais água. Não, mesmo. Podem acreditar.

Tudo girava à sua volta, desde a roupa que era lavada demoradamente, tendo como concorrência, no verão, a água do rio no sítio da Peideira, ainda em Santa, fazendo fronteira com o lugar de Afe, até aos cântaros que se enchiam rapidamente e que eram transportados à cabeça ou à mão.

A casa onde morava ficava na parte mais alta de Santa. A fonte e o tanque estavam precisamente no “fundo do lugar” e todo o ritual de ir à fonte era um trabalho dos diabos. Exigia esforço. Mas como éramos muitos, na mesma atividade de “carregadores de água”, tudo corria às mil maravilhas.

A génese do lugar de Santa aconteceu no sentido de baixo para cima. As casas foram sendo contruídas da fonte de água para cima, ao longo de uma encosta ladeira, enchendo-se de gente. Com o andar dos tempos, foi instalado um fontanário na parte mais alta do lugar, depois um tanque, depois as casas começaram a ter água canalizada, outras fontes surgiram, algumas de furos, e a fonte do “fundo do lugar” perdeu interesse e foi praticamente abandonada, tal como o tanque contíguo.

Observo agora o lugar de Santa. Tiro uma foto. Analiso-a melhor, reparo na sua dispersão geográfica e constato que o “fundo do lugar” está quase abandonado. Restam duas casas.

O lugar de Santa inverteu-se, a parte de cima estendeu-se, conquistando terreno ao monte, e surgiu uma mancha de casas novas, que já não dependem da fonte de água, que, por várias gerações de santenses, constituiu o núcleo de uma vida inteira.

Assim se forma um lugar!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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