Depois de Belém, com um intenso calor húmido e com a chuva forte que cai, por momentos, em gotas grossas (a que chamam toró), deixando os igarapés a transbordar para as ruas cheias de pessoas, de carros e de motos e de bicicletas, viajei para o Rio. Tenho à minha frente toda uma sexta-feira, mais um sábado até às 17h, já que gosto de estar mais cedo no aeroporto em voos internacionais, mesmo que tenha o check-in feito online.
Instalo-me, como sempre, em Copacabana, e como é meu hábito (e nesse aspeto tenho a tendência para ser conservador, que é aquele que gosta de manter os seus hábitos – e como todos nós somos profundamente conservadores, mesmo nos aspetos mais quotidianos – fico mais uma vez no hotel Debret, em plena avenida atlântica. Tenho de reconhecer que já não é o espaço que conheci, pela primeira vez, há 15 anos, morrendo-se agora em afetividade e tornando-se num ambiente despessoalizado, como se o hóspede fosse mais um.
Almocei em Ipanema, em casa de um grande amigo meu e a tarde foi passada a trabalhar num projeto comum, que ambos realizamos, de dois em anos, alternadamente em Portugal e no Brasil. Ainda tive tempo para terminar a leitura de um livro, que comprara em Belém, e que já o lera em parte, na viagem de Belém-Rio, sempre são 3 horas de olhar para o nada, “Violência” (do autor esloveno, radicado em França, Slavoj Žižek), e a noite foi iniciada em Leblon, num jantar bastante familiar, tendo regressado duas horas depois ao hotel, que já tinha começado a desgostar, sem que primeiro tivesse caminhado meia hora na avenida atlântica, cheia de televisores, em bares de turistas, passando o jogo azul-amarelo do Argentina-Brasil.
Liguei o televisor do quarto. Iniciava-se a 2ª parte e o Brasil empatava o jogo, e o comentador dizia que o futebol era de somenos importância perante o que acontecera nessa noite em Paris. Desconhecia. Mudei de canal e as imagens de notícias inacreditáveis passavam a um ritmo confrangedor. A barbárie voltara. Instalara-se mais uma vez no coração da Europa, querendo fazer crer que a vida se pauta por dogmas religiosos. Puro engano. Frequentar um café, ou um restaurante, ou uma casa de espetáculos é um crime à luz de fundamentalistas, e aqui vou buscar Žižek, que se reconhecem como sendo inferiores aos outros (que somos nós) e para isso não hesitam em matar indiscriminadamente. Sim, a barbárie voltou e parece que nada aprendemos com o passado e com a sua história que vai sendo narrada.
Dormi intranquilo. No dia seguinte, logo pela manhã, li os jornais portugueses, nas suas edições online, e mais horrorizado fiquei, sobretudo porque há uns meses atrás tinha percorrido aquelas ruas e de modo algum tinha imaginado o que realmente aconteceu. Tentando esquecer um pouco essa trágica realidade, saí do hotel e passei a manhã na rua Nossa Senhora de Copacabana, olhando para os jovens que apressadamente andavam e para os velhos que lentamente se moviam. Fiz algumas compras. Numa loja encontrei um filho de português, que disse maravilhas deste Portugal que hoje somos.
Tornei a encontrar-me com o meu amigo para almoçar num restaurante (chamado “Volta”) e a conversa sobre o acontecido em Paris esteve sempre presente, pois de modo algum estaríamos preparados para enfrentar tamanha desumanidade. Pelas 17h já estava no Galeão, o aeroporto internacional; às 20h, na porta 31, embarquei num avião da TAP (privatizada à pressa por um governo em funções de mera gestão) e o Rio de Janeiro ficou mais uma vez em memória.