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17 de Novembro de 2020 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Ainda preso aos jornais do concelho de Coura, é de facto surpreendente a adesão de tantas pessoas à imprensa local, quais verdadeiros aprendizes da nobre arte a que hoje se chama o quarto poder, que terá de ser divido com as redes sociais.

Mário Guerreiro é um deles. Pena é que os seus preciosos e excelente artigos sobre a “Toponímia da Vila”, que publicou no “Notícias de Coura”, não estejam publicados. Socorro-me para esta crónica do artigo “Largo da Feira” que consta da edição de 20 de junho de 1960.

Da minha memória das feiras de Paredes, aos sábados e quinzenalmente, consigo vislumbrar três largos: o de cima, para produtos locais (batatas, cebolas, feijão, ovos e galinhas e quejandos); o do meio, para “panos”, louças e ferragens; o de baixo, para gado de todo o género, em que os porcos, como no livro “O triunfo dos porcos”, eram predominantes.

Na atual toponímia, o Largo Hintze Ribeiro é duplo, abrangendo o largo do chafariz e o largo contíguo ao da Câmara (Visconde de Moselos), e o Largo 5 de outubro, conhecido, também, por largo do tribunal, é o espaço da feira de baixo.

Mas Mário Guerreiro fala apenas de um largo da feira, e ainda hoje se diz assim quando as pessoas se referem à feira de cima, que então tinha dois largos, e à feira de baixo, mais ao fundo da Vila, se consideramos como ponto de partida o largo da Câmara. E aos largos e às ruas e até aos caminhos que viraram estradas e ruas dá-se um nome, de modo a “perpetuar” na temporalidade a memória de alguém que notavelmente se destacou ou pelas suas andanças políticas (quase sempre), ou pelo seu percurso profissional (muitas vezes), ou pelo seu testemunho de vida pessoal (raramente).

Usando palavras do referido artigo, “existe, ainda, na vila de Coura um importante largo sem qualquer designação toponímica devidamente oficializada. É o que vulgarmente é designado por Largo da Feira, nome que o vulgo lhe atribui por ali ter lugar una das principais partes da feira quinzenal”.

As partes de uma feira, ou dos seus sítios em que ocorre, coincidem com aglomerados de pessoas, transitando de um lado para outro. Dada a sua diferença marcante, talvez no passado tenha feito sentido designar feira de cima e a feira de baixo, mas hoje talvez não, ainda que a feira de Paredes – e como gosto desta expressão! – continue a ter duas partes distintas, com o desaparecimento da feira dos animais por razões sanitárias.

E mais diz Mário Guerreiro: “é ocasião oportuna de ao referido largo ser concedida designação oficial e é oportuno, também, o momento de prestar homenagem à memória do insigne Courense, que foi também um grande Português, o talentoso Abade de Padornelo, rev. Casimiro Rodrigues de Sá. Não foi destas figuras, tantas vezes apenas decorativas, que nascem já célebres… é de inteira justiça, por conseguinte, rememorá-lo dignamente entre os seus conterrâneos”.

Mas há aqui uma questão dúbia. Quando se refere ao largo da feira de que largo se trata efetivamente? Julgo que será o largo principal e que na toponímia é designado “Conselheiro Hintze Ribeiro”, cuja atribuição foi decidida na reunião da Câmara Municipal, de 31 de agosto de 1899, deixando de ser oficialmente “largo da feira dos cereais”, como consta da correspondente ata. Já agora, na mesma reunião foi atribuído ao “largo da feira de baixo” (pelas palavras da época, “largo da feira do gado”) o nome “Conselheiro João Franco”.

Mas Mário Guerreiro dedica grande parte do artigo a essa destacada figura de Paredes de Coura, com nascimento, em Parada, no mês de abril de 1873, e morte, em Bico, “por uma sombria e gélida tarde do mês de Janeiro de 1934”.

Da leitura deste notável artigo encontro uma possível resposta para a questão que deixei em aberto relativamente ao silêncio do monárquico e republicano Casimiro Rodrigues de Sá, quando leio estas palavras: “No final da guerra regressou à sua terra pobre como sempre, porque sempre fora honesto. Nomeado pároco da freguesia de Bico, para lá foi exercer, com indescritível zelo, o seu múnus e até ao fim dos seus dias. Uma só preocupação o dominava: a salvação das almas que lhe foram confiadas.

Quer dizer, e interpretando as palavras de Mário Guerreiro, o homem da política desvaneceu-se pela tortura humana da guerra e deu lugar, por inteiro, ao homem da salvação das almas.

 

 

 

 

 

 

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