De um nome José, cheirando a terra lavrada, fermentada de suor, e vivendo de ausências que marcaram toda a sua vida, sabe-se que nasceu, viveu e morreu em terras de Coyra.
Chorou bem alto, como todos os seres humanos, foi batizado, logo que o dia clareou, e morreu, já quase velho, amortalhado com a túnica de S. Francisco, por misericórdia de ato anónimo, na mais indigente pobreza.
Não deixou testamento, nem filhos, nem futuros. Teve ofício de corpo presente, apressadamente entoado em latim, sem palavras de conforto para quem quer que fosse, porque do seu passado não existiam memórias.
Gerado no ventre sofrido de mãe solteira, nasceu em dias frios de janeiro dos primeiros anos da segunda metade do século dezanove. No assento de batismo foi severamente dito que vem de pai incógnito. Não reza que tivesse assento de casamento, pois viveu só e tristemente.
Bebeu toda a alegria na infância, correu descalço por campos e montes, fez-se criança crescida precocemente e, pelos sete anos, em vez da escola, apascentou ovelhas e cabras; pelos doze anos aprendeu a arte do lavradio e daí para diante fez-se jornaleiro, cavando de sol a sol, em terras alheias, de pessoas que viviam de suas propriedades, que também não sabiam ler, nem escrever, apenas contavam as rendas recebidas por terras que tinham em mãos de mil e penosos trabalhos.
Ser jornaleiro ou cabaneiro não obrigava a pagar renda, recebendo o reduzido pecúlio da jornada diária em tempos de atividades agrícolas, acrescentado de refeições que inexistam nos muitos dias em que ficava no casebre que abençoadamente o albergava.
Quis casar e ter filhos. Enamorou-se, várias vezes, mas suas raízes de amor murchavam e rapidamente secavam, por mais que não o desejasse. O seu Eu ficava mais só, como se das ondas apenas houvesse baixa-mar.
Sem força nos braços para trabalhar, cheio de doenças que desconhecia, apenas as sentia e sabia que lhe tolhiam os movimentos, conheceu vida de mendigo, abeirando-se de casas de lavradores para recolher as bem-vindas migalhas de pão que sobravam, havendo sempre um caldo que lhe aquecia a regelada alma.
Em idade mais avançada desapensou-se. Perdeu seu inteiro juízo, ignorando seu tempo de vida.
Partiu, depois, para a eternidade de eternidades na solidão inconsciente de si mesmo, e do seu registo de óbito consta que foi José Pobre.