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22 de Março de 2022 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Em setembro de 2021, contactei em Bico, no período da campanha eleitoral para as autárquicas, com um casal residente num dos lugares desta altaneira paróquia. Falámos mais em vidas cruzadas do que em eleições, pois o falar com as pessoas traduz, decerto, a autenticidade de quem tem algo para dizer sobre o futuro da governação de uma autarquia.

Um casal simpático, de muitas palavras. Ela de Bico, ele de Torre de Moncorvo. E falámos muito mais de outras terras do que de eleições, já que a mensagem política ficou para segundo plano. Descreveu-me a sua terra com um inusitado brilho nos olhos, fazendo de cada palavra uma recordação andante, como se as palavras andassem por elas próprias e nos transportassem para lugares que elas mesmo retratam, como Narciso Alves da Cunha fez em relação ao concelho de Paredes de Coura.

Para mim, há muito “afeirado” a essas paragens, entre Trás-os-Montes e Beira Alta, cruzando, com frequência a estrada do Pocinho, Torre de Moncorvo sempre tinha sido um ponto de passagem, tendo-a visitado ainda antes da ligação à IP2. Porém, e como agora uso mais frequentemente essa estrada, nas idas a Figueira Castelo Rodrigo, passando pelo túnel do Marão e pela IC5, piscava na lista das minhas obrigações geográficas uma visita a Torre de Moncorvo, pela estrada panorâmica, junto à barragem do Sabor.

Regressado de Timor, e com fome de Portugal, resolvemos passar o fim de semana em Mata de Lobos, numa visita rápida, mas retemperadora de energias, com amendoeiras em flor e com o azulado céu das terras da Marofa. No regresso, num dia esplendoroso, subimos a tal estrada, com vistas ímpares sobre as águas da albufeira, e visitámos Moncorvo, de pouca torre, e de muita afetividade.

Para lá dos registos que cada um de nós pode fazer, impondo-se com vigor histórico o centro da localidade, de muitas casas abrasonadas e reveladoras de uma nobreza rural, com um forte impacto na reprodução da hierarquia social, a conversa com uma senhora, de oitenta e poucos anos, impressionou-me. Primeiro, pela memória que preserva das casas e das pessoas, depois, pelo conhecimento histórico que agradavelmente partilhou e, por último, pela fineza da sua análise crítica da sociedade de nobres, com bolsos rotos. Tudo foram e nada são.

As casas em ruínas, habitadas por pessoas de muitos nomes – “e quando lhes comprei o terreno desta casa, na escritura, cada nome era maior do que a linha de comboio, que ia do Pocinho até Duas Igrejas” –, são o testemunho vivo daquilo que foi a sociedade marcada pela pobreza de quase todos, bem como pela opulência de apenas alguns.

E muitas estórias ainda foram ditas, numa conversa de um domingo de manhã, em plena rua, junto a uma das antigas, e desaparecidas, portas da muralha.

Sobre a importância dos nomes, a interlocutora, sagaz e observadora, falou de muitas famílias, casamentos, desencontros e falcatruas. Quando se estava prestes a consumar uma daquelas vigarices ligadas à riqueza dos nobres, um tal senhor, sabedor de leis, pôs fim ao intento, mesmo que fosse daqueles que tinham regressado, de Coimbra, com o grau de bacharel, a troco de um almude de azeite.

 

 

 

 

 

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