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10 de Maio de 2022 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Quão inúmeras são as reflexões sobre os efeitos da pandemia de Covid-19 nas nossas vidas!

Como evento, criador de mudanças e de uma nova compreensão da realidade, a pandemia mostrou a fragilidade do mundo económico-social. Se não fosse o Estado, o mercado teria colapsado na sua mais brutal queda.

Com os aviões parados nos aeroportos – e esta será, decerto, uma das muitas imagens de marca da pandemia – e com o confinamento sanitário, as pessoas ficaram em suas casas ou nos seus locais de trabalho. O turista também. A mala ou a mochila sossegaram por tempos bem longos.

O fluxo constante de pessoas em trânsito desapareceu e as ruas de vilas e cidades vestiram-se de longos silêncios, como jamais as tínhamos visto.

Para controlar o desemprego surgiu uma palavra que começámos a ouvir com frequência: “layoff”. O Estado financiou e o mercado subsistiu. Como foi esgotante para os liberais ver que o Estado tem de ser mais forte que o mercado, senão as pessoas ficariam abandonadas pelo poder do dinheiro.

Socialmente, ficámos reduzidos às relações familiares mais próximas. Evitámos visitas, contactos, abraços, refugiando-nos numa redoma de vidro, para que o vírus não entrasse. Desistimos de viver em grupo, não pudemos viajar, ficámos quase-sós, vimos partir para sempre, no mais pungente silêncio, pessoas nossas, de que tanto gostávamos, cultivámos a ausência como padrão de vida.

Culturalmente – e falo por mim – devorámos livros e mais livros, procurámos informação e tivemos tempo suficiente para escrever, para que os testemunhos da pandemia não ficassem perdidos. Quisemos estar informados, permanentemente.

Física e psicologicamente sobrevivemos. Aceitámos com resiliência as medidas sanitárias de confinamento social, usámos o gel para as mãos e escondemos os nossos sorrisos atrás da máscara. Fomos outros, é verdade. Precavimo-nos como nunca o tínhamos feito.

Emocionalmente, enfrentámos incertezas, cultivámos dúvidas, alimentámos medos e projetámos esperança. Caímos e levantámo-nos.

Tecnologicamente, entrámos de rompante na sociedade digital. Do dia para noite, as escolas mudaram a sua forma radical de ser, os alunos habituaram-se a novas regras, os professores e os pais viveram novos problemas. Usámos plataformas de comunicação e transferimos para as redes sociais a nossa vontade de estar juntos.

Ao nível da medicina, surgiram as vacinas, num esforço gritante da ciência, à mistura com recursos financeiros inesgotáveis, adquirimos imunidade, ficámos infetados e temos algo a dizer.

Eu sou um deles. Já na variante ómicron, mais levezinha e amiga dos humanos, contraí o vírus, bem longe de casa, em Timor-Leste. Aprendi o que é uma quarentena, num quarto de hotel. Lutei contra medos, resisti e escrevi sobre uma vida pessoal virada do avesso ao longo de muitos dias.

Talvez, venha a publicar, neste jornal, esses momentos únicos, de que agora não quero falar. Tudo requer o tempo adequado. O que eu enfrentei precisa, por agora, de muito silêncio.

 

 

 

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