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7 de Junho de 2022 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Já há muito tempo que não falávamos, apesar de ser uma daquelas férreas amizades que perduram por demorados e infinitos anos. O nome deste meu amigo surgiu no telemóvel. E, de imediato, atendi, regozijando-me com a surpresa, já que a vida profissional do dia a dia adormece as nossas amizades.

– Que boa surpresa, caro amigo, se Maomé não vai à montanha, vai a montanha a Maomé, não é?

– Como estás? Sei apenas das tuas andanças e pouco mais.

– Bem, e tu sempre em forma, como vou espreitando pelas redes sociais.

– É a vida social, em rede de relações que nos tornam mais presentes na ausência. Gostaria de te ver mais por lá. Não tens tempo, é isso?

– Nem sempre é possível, não gosto de ver-me transformado em dados numéricos que fazem parte de bases gigantescas de dados, processam informação sobre nós a todo o instante, sabendo mais de nós do que nós mesmos. Sabem quem somos e o que pensamos, transformando tudo isso em produtos de mercado. Vendemo-nos gratuitamente, como se vendêssemos a alma ao diabo.

– Quer dizer, então, que as redes sociais se apropriam da nossa alma e a vendem a mercados de comportamentos, ditando o que devemos fazer e pensar?

– Infelizmente, assim é. Chegaste a ler um artigo publicado no Público intitulado “O Facebook mata”? Quem diz Facebook, diz Instagram, Twitter, Tic toc e outras mais.

– Sim, sim, li e gostei muito. A autora, Zuboff, é uma norte americana que acaba de escrever “A era do capitalismo da vigilância

– Sim, fala da nova fronteira do poder que as redes sociais e a Internet têm sobre nós.

– Pois é, um poder oculto que se esconde dentro dos nossos telemóveis, capturando, diariamente, aquilo por onde andamos e tudo aquilo que fazemos.

– Mas bem pior é o modo como esse poder instrumentarista molda, efetivamente, aquilo que pensamos, condicionando comportamentos e modos de sentir, como se fosse possível destruir a nossa subjetividade.

– Parece que o passado se repete porque, tal como diz o saber popular “quem não é visto não é lembrado” e quem não existe virtualmente é como se não existisse.

E após mais alguns minutos de uma interessante e afável conversa, insubstituível por   um like, soube o que verdadeiramente importava sobre este meu amigo, os seus reais problemas e que não constam das redes sociais: acabara de passar por um problema de saúde, do qual recuperava lentamente, esperando que tudo ficasse bem.

 

 

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