No dia 3 de Maio de 2011, as páginas do Notícias de Coura tornaram-se mais do que um registo da vida do concelho; tornaram-se o palco de uma história que tocaria cada leitor. Tiago, um bebé de poucos meses, enfrentava uma doença rara e cruel, e os seus pais, Artur e Carminda, lançaram um grito de amor que ecoava em cada linha daquele artigo. Era uma lágrima, mas também uma semente. O jornal, que sempre fora, foi e é a voz da comunidade, não apenas relatou os factos – amplificou o coração dos leitores. Naquelas páginas, pela humilde pena deste vosso escriba, plantou-se uma mensagem que germinou rápido, como chuva em terra fértil. O grito dos pais tornou-se o grito de todos, e Coura respondeu com uma onda de solidariedade que ultrapassou fronteiras, sendo mais de 150 mil os abraços (euros) conseguidos. A edição daquele dia não foi apenas um jornal; foi um marco de como palavras podem unir, de como a esperança pode crescer mesmo nos terrenos mais difíceis. Tiago não era só o bebé de Artur e Carminda – era (é), a partir daquele dia, o filho de uma terra inteira.
Tiago nasceu com um mapa desenhado no corpo, uma cartografia única que o tornava diferente de todos os outros. A síndrome de Klippel-Trenaunay marcava a sua pele com manchas de vinho e veias proeminentes, como se o seu corpo fosse uma obra de arte viva, esculpida por um artista imprevisível. Cada passo que dava era um desafio, como se carregasse consigo o peso de um rio a correr por dentro das suas pernas assimétricas, onde o tempo parecia fluir num ritmo só seu.
A jornada de Tiago, marcada por um amor inabalável, levou-o por caminhos que cruzaram continentes e idiomas. Sucederam-se diagnósticos, consultas, tratamentos e cirurgias, numa busca incessante por respostas. A mais recente destas intervenções cirúrgicas aconteceu na perna saudável e visou diminuir diferenças no tamanho e atenuar afetações corporais derivadas de uma deficiente postura. De Portugal à América, da Alemanha a Espanha, cada passo foi uma batalha, cada sala de espera, um campo de esperança. Os resultados, ainda que ansiosamente aguardados, começaram a surgir, satisfatórios como a luz do amanhecer após uma longa noite. E assim, entre mapas e fronteiras, Tiago tornou-se não apenas um símbolo de luta, mas também de união, provando que, onde há determinação, há sempre a promessa de um novo começo.
Hoje, o Tiago, com apenas 14 anos, é um jovem que carrega nos ombros o peso de uma raridade que lhe teima em desafiar os dias. A doença, sempre injusta, não conseguiu roubar-lhe o brilho no olhar nem a força de quem sabe de onde veio. Agualonga, a casa dos avós paternos, é mais que um refúgio; é o chão das suas raízes, onde as memórias se enlaçam como os ramos das velhas oliveiras. Em cada canto, em cada pedra, encontra um pedaço de Coura, que pulsa no seu coração como um rio que nunca seca. Gratidão é a sua bandeira, visível no olhar sereno e no “Eu estou bem” que acompanha o sorriso e o punho cerrado que hoje choca decidido no nosso.
Tiago é um exemplo de dedicação e força, reflectido não apenas na sua luta diária, mas também no bom aproveitamento escolar que tanto orgulha a família. Como diz o pai Artur, “é um bom menino e um bom aluno”, sempre comprometido e esforçado. Embora não participe na disciplina de Educação Física devido às suas limitações, encontra no desporto adaptado e na “caminhada nórdica” uma forma de superar desafios e fortalecer o corpo e o espírito, mostrando que a determinação transforma barreiras em caminhos.
A história de Tiago é também a história de Artur Gonçalves e Carminda Ramos, pais cuja gratidão se estende além do próprio amor que os uniu. Artur, o pai, foi o equilíbrio e o albergue nas tempestades, aquele que manteve o chão firme quando tudo parecia desabar. Carminda, a mãe, foi e é colo, coração e enfermeira, uma presença incansável que abraçou a dor e a transformou em força. Hoje, Carminda é mais do que a mãe do Tiaguinho; tornou-se dirigente destacada e muito activa da ANDLINFA – Associação Nacional de Doentes Linfáticos, e hoje é voz para os que não conseguem falar, ouvido para os que carregam dúvidas, conselho para os que se perdem na escuridão de um diagnóstico. É mesmo o primeiro refúgio de famílias que, como a dela, enfrentam as traiçoeiras e por vezes raras doenças linfáticas. “Sei o difícil que pode chegar a ser, sei pelo que passei, por isso estarei sempre aqui para ajudar”, no olhar e nestas palavras de Carminda vive a promessa de que ninguém precisa enfrentar esta jornada sozinho.
Tiago, com a sua luta silenciosa, encontra um reflexo na obra “Um dia em que todos são como eu”, livro escrito pela valenciana Rosário Pereira à espera de edição. Este livro, que celebra a empatia e a compreensão, ganha um novo significado ao ser ilustrado por Cristina Coelho, cuja arte, interrompida pela sua terrível partida, seria completada pela sua filha. A edição do livro enfrenta elevados custos e dificuldades, e para que esta história de luta e esperança chegue a todos, é crucial encontrar apoios que tornem possível a sua publicação e distribuição, “um dia será…”, faz questão em afirmar a Carminda de forma convicta e esperançosa.
Em jeito de rodapé, pedimos à Carminda e ao Artur que nos deixassem uma mensagem de Natal : “Neste Natal, queremos, enquanto família do Tiago, agradecer ao jornal Notícias de Coura e aos courenses pela força e pelo apoio que nos têm dado ao longo deste caminho. O Tiago passará a quadra em Agualonga, junto dos avós paternos, envolvido no calor da família e na luz que nos inspira a continuar. Que este espírito de solidariedade se estenda a cada lar courense, e que todos encontrem, no abraço dos que amam, a verdadeira magia do Natal. Boas Festas para todos!”, disseram.