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Sósias sociais

3 de Dezembro de 2024 | Sandra Fernandes
Sósias sociais
Opinião

Decidi, na sequência da minha última crónica, escrever sobre redes sociais, mais concretamente acerca da “persona” que nelas criamos. Vivemos tempos em que as redes sociais são a praça pública do nosso quotidiano, onde quase toda gente vai. Li recentemente um artigo de uma jovem chamada Marina Keegan, que explorou a dependência das redes sociais e deparei-me com uma ideia inquietante: é nas redes sociais que moldamos as nossas sósias, versões filtradas e cuidadosamente curadas da nossa existência

Ao publicar algo nas redes, raramente partilhamos a totalidade da nossa história. Seleccionamos momentos, enquadramos imagens e ajustamos palavras, contamos uma narrativa com o nosso ponto de vista. Mostramos aquilo que queremos que os outros vejam. É como se tivéssemos um espelho mágico que nos permite mostrar a versão mais interessante, mais feliz ou mais impactante de nós mesmos. No entanto, esse filtro constante pode ter consequências.

O perigo está no vazio que essa prática pode gerar. Quando investimos tanto tempo e energia a criar a nossa identidade no digital, podemos perder a conexão com quem realmente somos fora dessa narrativa. Ao revelarmos apenas partes da nossa essência, acabamos por reduzir a nossa complexidade e tornarmo-nos prisioneiros daquilo que projectamos. Além disso, há um risco inerente à privacidade. Mostrar demais, onde estamos, o que fazemos ou até o que pensamos, pode expor-nos a vulnerabilidades inesperadas.

E quem está do outro lado? Não sabemos. Por detrás de um perfil pode estar um amigo, mas também pode estar alguém a lutar contra as suas próprias frustrações e que vê no espaço virtual uma oportunidade de despejar essas emoções nos outros. Ao revelarmos um fio do nosso eu, tornamo-nos alvos fáceis para quem busca validação ou alívio das suas angústias. Há pessoas que, na tentativa de se sentirem aceites ou superiores, exploram e atacam a vulnerabilidade alheia, mesmo que essa “vulnerabilidade” não seja algo real, são capazes de tornar uma afirmação inocente em algo “grave”, um aspecto em algo a esconder um objectivo, em algo cómico e inalcançável.

O grande paradoxo das redes sociais é que, ao mesmo tempo que nos ligam, também nos isolam. Criamos sósias que habitam este espaço, mas que, muitas vezes, não nos representam na totalidade. É importante lembrar que a nossa essência vai muito além do que conseguimos publicar. Zelar pela nossa privacidade e segurança não é apenas uma questão de autopreservação, mas também uma garantia de que continuamos a ser donos da nossa narrativa, sem entregá-la por completo ao mundo virtual.

As redes sociais são ferramentas poderosas, mas como qualquer ferramenta, exigem cuidado. Afinal, o que vale mais: sermos aceites pelo que mostramos ou pelo que realmente somos? Não interessa a resposta a esta questão, uma reflexão basta para que possam acreditar que aquilo que são é o que mostram ser e muito mais. Somos seres humanos e desenvolvemo-nos, mudamos fisicamente e psicologicamente, por isso não somos tão constantes como as sósias que criamos.

 

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