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Tendencialmente gratuito

7 de Dezembro de 2021 | Helena Ramos Fernandes
Tendencialmente gratuito
Opinião

Na minha anterior passagem por estas bandas, fiz um apelo contra a abstenção em actos eleitorais. ‘Abster-nos é não querer saber’, escrevi eu com um toque de convicção, para não dizer o que eu realmente penso sobre aqueles que se abstêm por convicção.

A minha intenção não é ferir susceptibilidades. Por vezes podemos ser impedidos de cumprir com este dever, que, sem qualquer conotação ao ditatorialismo, deveria ser obrigatório. Sobretudo porque mais do que um dever, é um direito. Tal como é o direito de ter direito à protecção da saúde.

A Constituição da República Portuguesa refere no ponto 1 do seu 64º artigo que todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.  Será que isto pode ser traduzido da seguinte forma: ‘não queres ser vacinado contra a Covid-19, então não entras no direito à protecção da tua Saúde’. Simplesmente porque, a meu ver, ‘não defendes nem a tua saúde, nem a dos outros’.

Mas, e assegurando que as minhas palavras não são tendenciosas, vou retaliar e mostrar a outra face da moeda. Na alinha a, do ponto 2 do mesmo artigo 64, lê-se que o direito à protecção da saúde é realizado através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.

Pois é, caro leitor, a constituição refere que é tendencialmente gratuito. Será que algum de vós foi recentemente ‘às urgências’? Como é obvio, não me refiro às de Paredes de Coura, porque todos já sabem que este serviço já não existe. Refiro-me ‘às urgências’, onde elas existem e são necessárias. Porque em Paredes de Coura não são, disseram em tempos os números.

Se responderam que sim a questão que eu coloquei no parágrafo anterior, talvez entendam qual é a mensagem que eu pretendo passar. Mensagem essa, de indignação.

Faço aqui referência, com prévia autorização, de um acontecimento recente. Há uns dias uma amiga chegada foi ao serviço de urgência do Hospital de Viana do Castelo. E foi, caro leitor, porque se tratava de um caso de urgência, apesar de ter acontecido em Paredes de Coura. Naturalmente que a mesma foi atendida e que o seu pedido de protecção (à saúde) foi devidamente encaminhado. No entanto, caro leitor, no final do atendimento, a mesma teve que desembolsar 84€. Entre a taxa de urgência e os exames efectuados, foi este o preço que ela teve que pagar. Uns meros 10% do seu salário. Indigno, digo eu.

Talvez eu esteja errada, caro leitor, e afinal, segundo o actual Governo, as condições económicas das famílias portuguesas estejam bem de saúde. E por isso, do tendencialmente gratuito, passaram ao ‘paga e não reclama’.

Como aceitar, caro leitor, estas alterações à Constituição, ou estas interpretações com base em verdades aparentes. Se ao menos esse dinheiro servisse para pagar dignamente o serviço dos profissionais de saúde. Talvez alguns cidadãos aceitassem, por princípio, estas cobranças. Mesmo sabendo que mensalmente descontam valores mais do que necessários para cobrir este direito, que deveria ser tendencialmente gratuito, e pagarem a estes profissionais, que merecem o respeito de todos.

Neste sentido, e porque me preocupo, não pela resiliência dos profissionais de saúde, mas sim, pelo seu nobre trabalho, voto favoravelmente pelo aumento dos seus ordenados. E voto contra sermos, novamente, nós os trabalhadores e as empresas a pagar por este valor devido por quem gere, talvez mal, o dinheiro que retira continuadamente do nosso orçamento.

E, caro governante, eu não quero pagar duas vezes pelo mesmo direito, que deveria ser tendencialmente gratuito, porque talvez já o tenha pago através desse tal valor que me coletam todos os dias, todos os meses e todos os anos. Talvez seja por isso que esse serviço e outros não devam ser cobrados, porque já foram pagos, e devam sim, continuar a ser, tendencialmente, gratuitos

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