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Precisam-se culpados

11 de Maio de 2021 | Helena Ramos Fernandes
Precisam-se culpados
Opinião

Nesta edição senti a necessidade de aproveitar este espaço para emitir um desabafo. Sinto aquela sensação de que se eu não falar agora, ou escrever agora, vou implodir. Ou explodir. O que talvez não seja sensato, porque é nessas explosões que acabamos por dizer aquilo que não deveríamos proferir em voz alta, neste caso escrever e partilhar.

Vou tentar expor-vos a minha opinião sobre uma informação, com alguma desinformação no meu entender, que tem sido veiculada por estes dias pela comunicação social. A procura de culpados para o caso da falta de condições de habitabilidade dos trabalhadores de Odemira.

Os media insistem nessa procura com uma persistência interessante. E parecem estar muito empenhados em encontrá-los. Precisam-se de culpados. Eu, pessoalmente, acredito que estes já tenham sido identificados, e sobretudo que já estejam a ser investigados por quem tem competência para isso.

As imagens transmitidas pelos canais televisíveis, revelando as condições em que estes migrantes vivem, são na maioria perturbadoras, na lotação, na falta de condições e na sujidade e lixo acumulado na maioria. Esperemos que estas situações sejam resolvidas. Porque esta mão-de-obra é de extrema importância. E esta angariação só é necessária, porque não se encontra, já há algum tempo, mão-de-obra suficiente no nosso pais para determinados trabalhos agrícolas. É preciso ter isso bem presente, caros políticos, principalmente quando lançam para o ar que estes concorrem com os potenciais trabalhadores locais. A concorrência em determinados momentos é importante, principalmente para regular os preços de mercado. Quando a procura é muita e a oferta é pouca, o preço aumenta astronomicamente tornando-se impraticável para quem precisa, neste caso, de mão-de-obra qualificada. Ou simplesmente de mão-de-obra que aceite trabalhar nesse sector. Tenho a certeza, caro leitor, que já recorreu a este tipo de trabalhadores sazonais nas suas propriedades rústicas, ou jornaleiros, como são conhecidos no nosso meio. Os preços são em alguns casos bem elevados, e são muito poucos os que se dedicam a estas tarefas nos dias de hoje. Imagine então o que acontece quando uma exploração de grande dimensão pretende colher o seu produto ou realizar outra qualquer operação técnica, num determinado prazo. Os trabalhos sazonais. Torna-se difícil para não dizer impossível conseguir os trabalhadores necessários. É sobretudo por este motivo que o mundo agrícola se viu obrigado a recorrer a este tipo de mão-de-obra no estrangeiro.

Nesta história, as potenciais vítimas foram identificadas, o crime apesar de confuso, também. E os responsáveis quem são? As redes mafiosas? As entidades competentes? A sociedade? Pessoas mal-intencionadas?

Parece-me que não havendo culpados assumidos, apesar dos relatos sobre tráfico de seres humanos e máfias instaladas, a comunicação social e alguns políticos estão a disparar para todos os lados sem a preocupação de não atingir e lesar inocentes. Não esquecer, caros senhores, que todos são inocentes até prova em contrário.

Não é minha pretensão ofender ninguém. Não é da minha vontade trilhar a susceptibilidade que alguém possa ter em relação à sua opinião sobre este assunto. Eu, pessoalmente, costumo respeitar as outras opiniões mesmo que estas sejam distintas das minhas. Faço aquele exercício, que todos conhecem, mas poucos praticam, de me colocar no outro lado, na outra parte, para perceber o porquê dessas diferenças.

Mas, por favor, caros críticos, jornalistas, políticos, sociedade em geral, antes de agir, culpar ou opinar, identifiquem bem o alvo a atingir. E não atirem para um alvo incerto com uma caçadeira mal afinadas, e muitas vezes bem desinformada, para atingir aquilo que parece estar envolvido. Porque nem tudo o que parece é! Nestes casos, identifiquem bem o alvo a atingir utilizando uma carabina com binoculo inteligente para acertar em cheio no epicentro do problema.

E por favor, deixem os agricultores produzirem, seja de forma extensiva ou intensiva. Todos nós dependemos dessa produção. Mesmo aqueles que fazem oposição à produção intensiva.

A agricultura no seu todo é extremamente importante, incluindo todos os que nela se inserem. Desde a pequena exploração alto-minhota até à grande e extensa propriedade do sul. Acredite, caro leitor, que as obrigações destes empresários são cumpridas em várias frentes, e estes são controlados por várias entidades competentes. A produção primária além de muito controlada obriga-se a cumprir uma lista interminável de obrigações legais. Se os produtores nacionais forem lesados, todos perdemos, incluindo os que defendem as grandes e importantes causas da actualidade. Com estas guerras internas, prejudicamos a produção nacional e favorecemos os produtores estrangeiros. Denegrindo, sem provas concretas, a nossa agricultura quer a nível nacional quer internacional, são todos os portugueses que perdem. Sem esquecer que isso não vai resolver o actual problema dos migrantes de Odemira. Precisam-se culpados. Mas só dos que têm ‘culpa no cartório’.

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