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23 de Maio de 2023 | José Augusto Pacheco
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Opinião

O Ciclo “Memórias da Guerra em África”, apresentado, na forma de catálogo, não pode deixar de o surpreender, sobretudo pela tríade evocativa – o Berço, a Guerra, a Memória – que testemunha a relação do passado com o futuro.

O primeiro momento da tríade é o Berço, desenvolvido na crónica anterior.

Outro momento da tríade é a Guerra, apresentada na interlocução de textos, e também imagens de outros espaços, como o da poesia “Nambuangongo, Meu Amor” (Manuel Alegre), uma narrativa cheia de negações de um “tempo longo longo tempo”, onde “a palavra vida rima com a palavra morte”, como se não fosse possível imaginar como seria uma “flor bombardeada”, em que “cada carta é um adeus em cada carta se morre”.

Ou então um registo de memórias, como o são as cartas de madrinhas de guerra, espelhando sofrimentos, desejos e sonhos, como se a guerra tivesse de ser reinventada ou esquecida em cada linha de escrita desses textos que têm merecido a atenção de estudiosos e estudiosas, por exemplo a de  Marta Martins Silva (autora de “Madrinhas de Guerra” e de “Cartas de Amor e de Dor. Recordações íntimas e poderosas do Ultramar”) e os textos de Lídia Jorge (“A Costa dos Murmúrios”) e João de Melo (“Autópsia de um Mar de Ruínas”).

O último momento da tríade é a Memória, tida como interpretação diversa e colorida de momentos (a guerra a preto e branco também não existiu, por mais negra que seja a morte a que ela conduz) vividos tão intensamente, como o que é aludido por Mário Cláudio em “Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez” (conto), pelas imagens do regime, pelos objetos de soldados que guardaram as suas memórias como “coisas da tropa”, pela análise conceptual de Fernando Rosas e Jaime Nogueira Pinto, juntamente com Jorge Teixeira da Cunha e Carlos Magno.

Se sem memorização não há conhecimento, sem memória também não há futuro, pelo que o ciclo sobre “Memórias da Guerra em África” ocupará, decerto, um lugar privilegiado na reconstrução de um futuro que lembrará os soldados de Coura.

Do catálogo constam duas listas, que são memória de futuros que não podem ser votados ao esquecimento, incluindo quer os que caíram no palco da guerra, quer os que cederam objetos/documentos para a exposição e a quem, tal como o faz o Centro Mário Cláudio, expressamos o nosso profundo reconhecimento”.

Se me é permitida uma sugestão, e tal como aconteceu com a evocação dos courenses mortos na I Grande Guerra, por que não repetir essa ideia, no mesmo local, se possível, dado que será sempre um local de liberdade e reconhecimento público, com o erigir de um monumento, por mais simples que seja, aos combatentes de Coura mortos na guerra do Ultramar?

 

 

 

 

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