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30 de Janeiro de 2024 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Cultiva-se, nos dias que correm, a ideia do caos, não tanto no seguimento da teoria que explica a complexidade, mas sobretudo na aceitação, repetida incessantemente nas redes sociais e nos media, de que tudo está mal, e que não há solução possível, a não ser a da redenção através de medidas de limpeza social e política.

Limpar tem muitos significados, desde o de comer tudo (limpar o prato) até ao de matar (limpar uma dada pessoa), passando pela eliminação da sujidade ou de outra coisa qualquer. Porém, na política, a noção de limpeza traduz a anulação de alguém, como se estivesse a mais numa dada sociedade.

Temos a facilidade de nos identificarmos com o que está mal, aliás com tendência para reforçar o lado negativo. Reconhecemos, assim, que tudo está mal e aumentamos, de forma desmesurada, a punição dos mais fracos, em termos sociais, que se transformam em verdadeiros inimigos a combater em todas as frentes, chegando-se a defender, estupidamente, a sua limpeza ou a sua anulação social.

No século XX houve duas guerras mundiais, e parece que a humanidade nada aprendeu com os terrores praticados em nome de nacionalismos e exclusão de pessoas, grupos étnicos e povos. Facilmente voltámos à guerra regional, de impacto mundial, como se nada tivesse acontecido, tendo-nos esquecido de situações indignas e infames que muitas pessoas dramaticamente viveram ao longo de gerações e que infelizmente perduram.

No tempo presente, banalizamos a barbárie, a exploração e o sofrimento humanos, reeditando modos absurdos de escravidão, aceitando a sua normalização, reproduzida até à exaustão por imagens que jamais deveriam existir como realidade social.

Vivemos, por isso, na corda bamba de conflitos políticos e sociais, assistindo, passiva e indiferentemente, à radicalização de ideias, como se o populismo e a autocracia fossem a única solução possível ao nível da governação.

Nessa forma de pensar, a solução existe, mas será sempre contra os outros, que são os culpados das injustiças sociais e que fazem com que tudo esteja mal.

A ideia do caos é a faúlha que pega fogo à sociedade do presente, tornando-a desigual, competitiva e profundamente egoísta.

Se tudo está mal, como será possível manter laços de confiança entre pessoas, instituições e sistemas políticos?

Tudo está mal, porque não queremos ver o que está bem, transformando o pessimismo numa religião sem um deus próprio, ou sem um centro de culto, já que o caos é o pensamento que tem uma influência poderosa na formação de perceções, ideias e modos de entender a realidade.

E se tudo está pretensamente mal, a culpa deve-se à existência de um extenso e inexplicável rio que coloca em margens inconciliáveis o “nós” e o “eles”. Nesse sentido, o inferno são os outros, aplicando uma frase do filósofo francês Sartre, pelo que ajudamos a construir uma sociedade baseada na perseguição, na exclusão e na desigualdade.

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