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9 de Abril de 2024 | José Augusto Pacheco
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Opinião

Há muitas formas de as pessoas comemorarem os 50 anos do 25 de Abril.

Uma delas é cumprindo a democracia no seu dia a dia, ora votando nas diferentes eleições, ora participando nos órgãos representativos dos vários poderes, ora aceitando o veredito dos resultados, num contexto livre de expressão de ideias.

Talvez, por isso, o voto seja o instrumento mais poderoso que as pessoas obtiveram do 25 de Abril, podendo escolher os seus candidatos e neles votar com toda a liberdade, dentro das regras de uma democracia.

E foi este facto que o regime do Estado Novo jamais praticou, porque a sua configuração política era de natureza antidemocrática e fascista (e não podemos ter medo de dizer as palavras certas, embora há quem prefira usar de forma mais suave o termo fascizante).

Não me canso de repetir uma imagem de criança que envolve eleições antes do 25 de Abril.

Já depois das eleições presidenciais – e se Salazar as perdesse, obviamente, seria demitido por Humberto Delgado – ocorreram as eleições legislativas de 1965.

Em Coura houve campanha eleitoral, numa tarde de novembro. Um membro do governo participou num comício realizado no salão dos Bombeiros Voluntários, apinhado de gente, situado junto à Courense. O centro da vila enchera-se de carros pretos e de muitos homens do regime.

Um deles, possivelmente o primeiro candidato pelo círculo eleitoral, e com funções governativas, falou, quase eternamente, de Salazar e, muito zangadamente, dos comunistas, que eram todos os que, dentro da Oposição Democrática, se opunham à União Nacional.

Se tais palavras nada me disseram, houve, porém, uma ideia que me ficou para sempre gravada. Dizia o então engravatado e submisso político que a mentira era a arma usada pelos opositores ao Estado Novo, inventando coisas que jamais poderiam acontecer.

Não, não falou da guerra colonial que começara em África, nem da perseguição política que o regime movia através da PIDE, alimentada por bufos locais, nem do campo de concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.

Retive a frase, e não sei por que motivo ela me ficou tão gravada, de que os carros jamais pagariam imposto de circulação, sendo livres as estradas portuguesas.

Boa metáfora esta a do Estado Novo: um país fragmentado, subdesenvolvido e controlado, mas com estradas livres à circulação de automóveis.

E mais poderia ter dito o tal político: além da carta de condução, os condutores teriam de comprovar que não tinham ideias antirregime, aceitando ser guiados pelo ditador de mão de ferro, e que passados uns anos viria a cair, por si próprio, da cadeira do poder, abrindo-se, desse modo, as portas ao pré-25 de Abril.

Ainda sobre as eleições de 1965, escusado será dizer que a União Nacional elegeu os 130 deputados.

 

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