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Dar corda ao relógio

6 de Outubro de 2015 | Helena Ramos Fernandes
Dar corda ao relógio
Opinião

Durante a passada campanha eleitoral muitas das promessas e afirmações proclamadas estiveram associadas às empresas. Em particular as PME´s (Pequenas e Médias Empresas)! E porquê? Obviamente porque são muito importantes para a economia nacional. E são, a meu ver, a máquina principal do nosso pais. Se o caro leitor comparar Portugal a um relógio, qual seria a marca e o modelo que escolheria? Um Rolex? Um Mont Blanc? Um Citizen? Um Eletta talvez!

Se abrir um relógio de corda, qual é a imagem que obtém? Uma panóplia de engrenagens estimuladas por uma mola à qual damos corda.

Se comparar este mecanismo com o mercado, o que temos? As engrenagens representariam as grandes e pequenas empresas – seriam a oferta. A mola simbolizaria a procura. E o “dar corda ao relógio” seria a necessidade e o marketing. Quando tudo está bem afinado, oleado e bem encaixado, a máquina funciona às mil maravilhas. Durante muito tempo.

Por outro lado, quando pensamos num relógio digital, a primeira coisa que nos vem à mente são as pilhas. Elas são a fonte de energia que coloca tudo a rodar. A fonte de energia que alimenta essa máquina. Mas temos a certeza que quando essa energia esgotar, a máquina deixa de trabalhar.

As pilhas podem ser facilitadoras quando as comparamos com os mecanismos implementados para ajudar e apoiar os mercados. Facilitadores que por vezes complicam. Sendo que alguns chegam mesmo a prejudicar. E é precisamente sobre um desses mecanismos que irei escrever nesta crónica. Aquele que conseguiu transformar uma micro empresa num banco. Num agente financeiro! E que sem querer, aplica uma excelente taxa de juros no empréstimos de capital. Inacreditável, dirá o leitor! Mas não. Isto é bem real…ou surreal!

Imagine uma pequena empresa com dois a três trabalhadores. Uma empresa que preste um serviço mensal para uma grande empresa nacional. Uma empresa que emprega muitas centenas de trabalhadores. Esta última, por motivos alheios à primeira entra em ruptura financeira. Para evitar a falência, acciona um dos mecanismos que dispõe. Acciona um PER (Programa Especial de Revitalização). Até aqui tudo muito bem.

As centenas de postos de trabalho estão garantidos. Mas à custa de quem e do quê? A pequena empresa que mencionei detém um ou dois por cento do passivo total (dívida) dessa grande ou mega empresa. Ou seja, uma gota de água num oceano que essencialmente abrange instituições bancárias reais.

Imaginemos que este um por cento equivale a 10.000 euros. Um valor pequeno para uma das partes, mas demasiado alto para a outra. Um PER deveria representar uma solução válida para ambos os lados e para todos os envolvidos. Talvez o seja para os bancos lesados, pois acabam apenas por diminuir as taxas de juro aplicadas a dinheiro que foi emprestado por vontade dos envolvidos. Mas não me parece que seja este o caso desta e de outras, talvez muitas PME´s abrangidas por este suposto PER.

Será que evitar o desemprego de centenas de pessoas com este tipo de mecanismos é a solução mais adequada? Pode levar à queda de muitas PME´s. Essas negociações não são nada favoráveis para as PME´s lesadas. Para aquelas, que por necessidade, decidiram aceitar entrar no processo. Existe sempre a escolha! E persiste a dúvida! E a certeza de que entre o sim ou o não, a perda está presente.

Para clarificar o leitor, vou exemplificar com uma situação hipotética. Uma das soluções passíveis de ser encontrada, provavelmente negociada com os que detêm a maioria da dívida (os bancos) apresenta-se da seguinte maneira: Amortização do valor em dívida (ou empréstimo à força) em 120 suaves prestações mensais, ou seja durante dez anos. Acrescenta-se um período de carências (12 ou mais meses). Durante o qual, o devedor somente paga os juros aplicados ao total da dívida com taxas irrisórias (entre 2 a 3%). Diga lá, caro leitor, se isto não é revoltante (ou interessante, dependendo do ponto de vista).

Mas, afinal, será que a micro empresa tem que acrescentar um CAE (Código de Actividade Económica) ao seu registo empresarial? Não deverão os nossos políticos estudar melhor o impacto que este tipo de medidas pode provocar na máquina económica e produtiva do país? Será que o relógio nacional precisa de pilhas novas?

Curiosidade: Da próxima vez que for a um Centro Comercial, repare nas montras que expõem relógios. Quase todos eles, a maior parte parados, vão marcar 10h08. E isto acontece por várias razões: Nessa posição, os ponteiros não escondem a marca do relógio que normalmente é mostrada abaixo da marca das 12h00; nessa posição, os ponteiros formam um “rosto sorridente”; com os ponteiros nessa posição, as outras funcionalidades do relógio ficam bem expostas – como por exemplo, a função do calendário (próxima da marca das 3h). Aceite, com isto, um conselho meu: Tente andar “sempre nas 10h08” em todos os momentos da sua vida. Não esconda as suas convicções. Tente sorrir o mais que pode. Seja transparente e mostre sempre todo o seu potencial.

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