Era eu ainda um menino das bruxas, menino da mamã, betinho da cidade feito rapazola nas férias grandes da Costa, acadado no colo de Rubiães, no coração dos avós maternos e de mão dada com a tia caçula, tia quase irmã, quando a Maria (Pequena de apodo para se distinguir de minha avó: nomes iguais; idades urdidas em decénios díspares – tão díspares quanto este palavreado de sete e coroa se afasta da compreensão do comum dos mortais), brincava com ele à apanhada e às escondidas, entre o quinteiro da nossa casa e as bouças de Toim.
Tia e sobrinho, dois irmãozinhos, um menino-menino, uma menina-crescida, dormíamos na mesma cama, comíamos da mesma malga, cantávamos a mesma moda da “Mariazinha Tecedeira vai para o estrangeiro ganhar dinheiro para se casar”.
Um dia, a tia menina-crescida passou a menina-quase adulta e casou. Fugiu-me das brincadeiras de quase-duas crianças e deu-me quatro meninas-princesas: as primas-irmãs que retrato nesta página. Minha Mãe e ela, as duas irmãs quase-mãe-e-filha, fazem boa cara no boneco que apadrinha as ditas cujas: Luísa, Gusta, Fernanda e Marlene.
Maria da Conceição Gonçalves da Costa, que todos conhecem, pois, por Maria Pequena. Tem 76 anos e uma vida inteira vivida na nossa Casa da Costa, entre as paredes onde todos nascemos e quase todos morremos. Desde o primeiro quartel do século dezanove, desde a nossa avó Josefina Antónia e seu sogro José Luís da Costa e tantas outras gerações do mais longínquo dos “outroras” até aos nossos dias, andam por ali, calcando aquele soalho e pairando entre misteriosas sombras, as almas e as memórias da nossa genealogia inteira. Pois bem, a Maria é a guardiã dessas memórias, dessas heranças culturais, dos rituais e das lendas que soube receber dos saudosos pais e meus avós maternos, Joaquim da Costa (o Quim de Fina) e Maria Gonçalves (a Maria de Nogueira).
Ela é hoje também a guardiã do Lugar da Costa, o despovoado sítio que outrora fora o centro de Rubiães; a guardiã dos caminhos onde ensaiou as primeiras conversas de namoricos rubros e olhares que se trocavam enquanto o desejo se quedava pelos sonhos de cores garridas.
Maria tornou-se costureira de mão cheia, de dedal e agulha em punho, vestiu todas as gerações de courenses, pequenos, velhos, ricos, pobres, durante quase meio século. Depois tornar-se-ia artesã de fama, com direito a reportagens televisivas e tudo: as suas bonecas de trapos, criação da sua veia inventiva, artística, porque não dizê-lo, artística sim, correram mundo e ainda hoje podem ser encontradas na Loja Rural de Paredes de Coura. E as suas quadras: os versos que aprendeu a urdir com a rima e a métrica a preceito, não obstante nunca ter ido além da velhinha quarta classe. A poesia da Maria Pequena merce ser conhecida, procure-a leitor, procure-a e depois diga-me alguma coisa.
Posto o que atrás fica, resta-me dizer que tudo vem a propósito da anunciada exposição que a Marlene Castro, sua filha caçula, se prepara para levar a cabo na Casa da Costa. Uma exposição em que Maria é, a par de sua avó paterna, Josefina Antónia Vaz, figura central. Ela, as suas artes, as velhas e saudosas matriarcas da Casa, os espíritos bons que por lá pairam, as fotografias e os objectos centenários que fazem parte do espólio da (nossa) velha Casa.
A seu tempo darei notícias, fica a promessa.