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10 de Setembro de 2019 | Marlene Cunha
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Na leitura de autores buscamos as ideias que servem de sustento à nossa sede de conhecimento, por um lado, e formas de olhar para a realidade que nos passariam totalmente despercebidas, por outro.

Na sua sensibilidade existencial, Vergílio Ferreira escreve que cada um de nós é feito de memórias, que os filósofos e psicanalistas inscrevem na ordem simbólica, uma tessitura de subjetividades formadas em espaços sociais e culturais, e que os historiadores designam por tradição inventada.

Sim, cada um de nós é feito de memórias individuais coletivamente construídas, por mais que as ideias da pós-modernidade pretendam exultar a singularidade do sujeito entregue às suas próprias referências, como se pudesse existir dentro de uma redoma de vidro, insensível ao outro e ao modo como em termos sociais se forma um espaço de socialização afetiva.

Eu sou eu e a minha circunstância, eis uma frase lapidar de Ortega Y Gasset que serve para dizer que o que sou está no cordão umbilical que me prende a Coura, a terra de meus pais e irmãos, de meus familiares e que meus filhos e mulher inscreveram como sua.

Tenho em Coura as minhas raízes, alimentadas pela ancestralidade de tradições e costumes, e que diariamente me prendem a um solo de afetividade. Gosto de ser de Coura e gosto de estar em Coura, local supremo da minha razão de ser, em termos coletivos, identificando-me com a geografia das emoções que tenho partilhado e revendo-me na face das pessoas com quem vou convivendo, construindo com elas uma cumplicidade simbólica.

Nos 500 anos do foral da Terra de Coyra, carrego nos meus ombros, juntamente com tantos outros aqui nascidos e residentes, a história de memórias e afetos que me ajudam a viver o quotidiano de familiares e amigos, com quem falo de um passado comum e projeto, ainda, um futuro partilhado.

Um poeta escreveu algures nos seus poemas de melancolia que só se sentia verdadeiramente açoriano porque estava longe do seu espaço de nascimento e que a saudade era a sua razão de ser como um mar sempre presente.

Não me julgo nesta metáfora poética, mas o fato de ter saído aos 13 anos de Coura para outras terras, e depois de tantas viagens transoceânicas, sinto que a ausência de olhares, que fazem a nossa realidade diária em torno de uma terra que me serviu de berço, me tem permitido escrever sobre Coura de uma forma diferente, como se pretendesse que essa ligação de olhares estivesse permanentemente presente.

 

 

Testemunho pessoal inscrito no livro “500 anos Foral da Terra de Coura”, editado pela Câmara Municipal, 2019.

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