Vive-se o momento.
Mas não dá para ser imediatista, vivendo um dia de cada vez, como se a vida fosse um barco sem remos, perdido no mar agitado por ondas impiedosas.
É aceitável o lema que muitos seguem, na convicção de que o futuro não existe, porque o futuro é sempre o presente, que se vive, diariamente, num ritmo de vida que não tem guiões, nem planos, apenas o que se sente, respira e se olha, uma vez que o depois é agora – e o agora é um passado, que apenas existe como memórias.
Porém, é nestes dias tristes, desalmados, decididos pelos não-humanos, na figura de um vírus, que saltita de mãos em mãos, de gotículas de saliva em gotículas de saliva, de espirros em espirros, que mais olhamos para o futuro, na esperança de que tudo volte, e rapidamente, à normalidade.
Essa normalidade, contudo, não voltará tão cedo, pelo menos até sermos todos vacinados, milagrosamente, pela ciência, na qual acreditamos peregrinamente, tal como confiamos na tecnologia e nas pessoas, que comandam um avião a doze mil metros de altitude e a quase mil quilómetros à hora.
Sim, temos de confiar.
E temos também de nos encharcar de esperança, olhando mais para o dia de amanhã que para o dia de hoje, ou para o dia que foi ontem, ou para o que foi anteontem, porque a humanidade já conheceu situações bem piores, quer na forma de guerras, que não acabam nunca, quer através de pandemias, bem piores do que esta.
Nesses tempos, o desconhecimento e a falta de higiene pessoal e pública condenaram um número incalculável de pessoas à morte.
Todavia, o mundo desigual que ainda existe, em que tantas e tantas pessoas vivem deploravelmente na pobreza, contrariamente aos seus governantes, que se banqueteiam de absurdas riquezas, é um tristíssimo problema, sendo terra arada para que o vírus possa estupidamente crescer, como joio numa seara de trigo.
Mas nestes dias e meses de 2020, tudo é diferente.
Sabe-se a origem das coisas (sem conspirações de distração para justificar populismos alimentados pela ignorância), sabe-se o caminho a seguir e sabe-se como viajar de forma segura.
Por mais perigoso que seja nessa viagem louca à volta do mundo, o vírus é bem conhecido e a ciência tem as respostas necessárias para que a vida volte à normalidade, para que nos deixe pensar que vale a pena viver o momento, dia após dia, sem termos de pensar no futuro.
P.S. Escrevo num dia de liberdade, de um passado feito de futuro, em que a revolução fez nascer cravos vermelhos dentro das armas que matavam a esperança.