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A TRAGÉDIA DOS CRISTÃOS NOVOS E A DECADÊNCIA DO COMÉRCIO PORTUGUÊS, A PARTIR DE MEADOS DO SÉCULO XVI

11 de Junho de 2019 | José Marcos Costa
A TRAGÉDIA DOS CRISTÃOS NOVOS E A DECADÊNCIA DO COMÉRCIO PORTUGUÊS, A PARTIR DE MEADOS DO SÉCULO XVI
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Portugal, prima terra de guerreiros, de navegantes, de poetas, de mercadores e de artesãos, povo pacífico e labutador com seus heróis e seus mártires… teve o seu tempo de justificada glória, mas a opulência que acompanhou a descoberta dos novos caminhos marítimos foi rapidamente manchada, e aniquilada, pelo espectro infernal da Santa Inquisição… instituição desumana, que a partir de meados do seculo XVI, assolou o território português de norte a sul, de Melgaço a Portimão, e de Lamego a Chaves…!

Encarcerando, torturando, martirizando na prisão e condenando à fogueira milhares de portugueses, inocentes acusados, à falta de melhores argumentos, por terem “sangue impuro”…!

A Inquisição foi instituída oficialmente após o reinado de D. Manuel, em 1535, pelo filho, D. João III, sem dúvida sob os conselhos avisados da mãe, a rainha D. Maria, princesa de Aragão, filha dos reis católicos de Espanha, Fernando e Isabel.

Sob o seu reinado, a Inquisição floresceu, com os rituais macabros dos Autos da Fé, decretados pelos seus próprios Tribunais, independentes da justiça do reino!

Parte destes Cristãos Novos que dispunham de meios económicos, escaparam às garras infernais, exilando-se para a França, Holanda, Inglaterra, pondo ao serviço dos países para os quais emigravam, o seu génio do comércio e as suas redes de agentes comerciais da nação portuguesa através do mundo da época, enriquecendo ao mesmo tempo, os países que os acolheram.

Mesmo a intervenção avisada do Padre António Vieira não pode atenuar o fanático e esmagador cilindro do Santo Ofício, que debaixo do falacioso pretexto de judaísmo camuflado, dava curso e satisfazia às mais vilãs paixões da populaça… invejosa do espírito trabalhador e engenho industrioso dos mercadores e artesãos, que tinham abandonado a lei de Moisés…!

Os mercadores e artesãos que não tiveram a sorte de se escaparem a tempo, pereceram, queimados aquando dos infernais rituais dos Autos da Fé.

Portugal não tardou a sentir os efeitos nefastos da hemorragia dos mercadores, que comerciando através do mundo desenvolviam a sociedade portuguesa, fazendo de Lisboa, Porto, Viana, e mesmo Caminha, as praças por onde circulava a maior parte do comércio europeu… A partir de meados do século XVI, o domínio do comércio passou para a Holanda, França e Inglaterra, e com o desastre de All Ksar El Kébir em 1578, até o poder régio passou para a Espanha.

Após a chegada ao poder em Portugal de Felipe II de Espanha, a Inquisição redobrou de severidade e crueldade, “aquele que espiona tudo denuncia tudo assola sem medida o reino de norte a sul com uma extrema crueldade, reinando sem limites, sem oposição e sem piedade”, extracto das Memórias, de Saint-Simon. Desde então o prestígio do reino (império) decaiu ao proveito da Espanha Filipina! Só dois séculos depois, após a catástrofe do terramoto de 1755, com a chegada do Marquês de Pombal, foi provisoriamente restaurada a dignidade do povo e comércio português. Malogradamente, este retornou aos seus antigos demónios, logo após a entronização da rainha, D. Maria I, a Pia?…

O que acresce ao horror e escandaliza o homem livre e verdadeiro cristão, é o facto de as acções de uma tal barbaridade terem sido obra daqueles que se diziam “servos de Deus”… comportando-se como a vulgar populaça desumanizada, regozijando-se “bestialmente” com os gritos dos desgraçados inocentes supliciados, cujo cheiro da carne humana rojada viva nos braseiros, centuplicava o horror da cena!

Milhares de supliciados em Portugal e outros tantos crimes contra a humanidade foram cometidos pelos tribunais do Santo Ofício, comportando-se como uma seita de fanáticos, nada tendo a ver com a verdadeira fé Cristã, impregnada de perdão e tolerância…!

Uma das muitas famílias de Cristãos Novos, fugida aos Inquisidores, estabeleceu-se na cidade de Nantes, em França, os Vaz de Melo, onde mais tarde, uma outra tragédia iria exterminar esta infeliz família!

No Museu das Beaux Arts de Nantes – Françe encontra-se exposta uma pintura de Auguste-Hyacinthe Debay representando uma “populaça” junto a um estrado, em cuja escada de acesso figuram cinco jovens vestidas ricamente em posição de devota oração… representando as “Demoiselles” do Castelo da Metairie, de Poiré-sur-Vie (Nantes) pouco antes da subida ao cadafalso e suplício da guilhotina, a 19 de Dezembro 1793.

As ditas donzelas de ascendência nobre são: Gabrielle; Marguerite; Claire e Olympe Vaz de Melo, quatro irmãs de 28, 27, 26 e 17 anos, acompanhadas de Jeanne Roy, a criada que recusou a liberdade, para não abandonar as donzelas ao infortúnio, e que preferiu acompanhá-las até ao suplício!

Estas donzelas piedosas cujo pai Alexandre Vaz de Melo era descendente do Físico, Henriq Vaz de Melo, português Cristão Novo, Físico da Vila de Nantes, e médico da rainha de França, Maria de Médicis, esposa do rei Henry IV, semeavam a caridade junto dos infelizes… foram supliciadas em 1793, condenadas sem julgamento pelo famigerado procurador Jean Baptiste Carrier, político revolucionário, pelo “crime de pertencerem à nobreza”…!

O carrasco que oficiou o suplício (figura no estrado com um boné vermelho) morreu com os remorsos, 3 dias após o evento. O “procurador” Jean Baptiste Carrier, foi ele mesmo guilhotinado pelos crimes que cometeu, praticamente no dia aniversário do suplício das donzelas Vaz de Melo, a 16 de Dezembro de 1794.

Em 27 Fevereiro de 2015, o Governo português decidiu reconhecer um “erro histórico” promulgando o decreto-lei N°30-A/2015, que estabelece o direito de retorno, e reaquisição de direito da nacionalidade portuguesa, a todos os descendentes dos Cristãos Novos, expulsados ou fugitivos durante a actuação da Inquisição em Portugal.

Reconhecer os erros cometidos por outros no passado, não constitui um “Pretium Doloris”, mas rende dignidade e justiça aqueles que deles sofreram…!

Muitos dos alto-minhotos de hoje ignoram a sua ascendência Cristã Nova, saída dos casamentos que mercadores e artesãos forasteiros espalharam discretamente nas nossas aldeias.

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