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CÂMARA FAZ APRESENTAÇÃO PÚBLICA DO PROJECTO JÁ EM ABRIL

23 de Março de 2018 | Manuel Tinoco
CÂMARA FAZ APRESENTAÇÃO PÚBLICA DO PROJECTO JÁ EM ABRIL
Geral

O LOBO E HOMEM- A RECONCILIAÇÃO É POSSÍVEL?

Referimos na reportagem da última assembleia Municipal de fevereiro que foi apresentado pela voz do vice-presidente, Tiago Cunha, um projeto do Município que pretende reverter o valor económico associado ao lobo para apoiar as pessoas vítimas dos prejuízos causados pelos seus ataques, em particular, e a comunidade em geral. Procuramos agora, junto de quem lá esteve e recorrendo também a informações fornecidas pela Câmara, compreender o que será afinal “O lobo e o Homem”.

A origem do conflito entre o lobo e o Homem dilui-se no tempo porque existe desde que há homens e lobos mas, apesar de muitos falarem no sentimento de insegurança das populações, desde os anos 30 do século passado, não há qualquer registo de ataques de lobos a humanos – o que não deixa de ser irónico se pensarmos que hoje, sucessivamente, vemos notícias de ataques mortais de cães domésticos a pessoas, sobretudo a crianças.

O lobo-ibérico é uma espécie animal protegida por lei, classificada com o estatuto de perigo de extinção, sendo o abate ou mera detenção de um lobo morto considerado crime desde 1988. O concelho de Paredes de Coura está incluído na área de ocorrência regular de lobo-ibérico em Portugal mas as duas alcateias identificadas (Boulhosa e Cruz Vermelha) têm grande instabilidade populacional. De acordo com a lei, uma vez que animal é protegido pelas leis do Estado, os danos causados pelos seus ataques a rebanhos, potros, vitelos ou outros animais domésticos tem de ser indemnizados. No entanto, são muitas as queixas de que o Estado é mau pagador e os agricultores, desesperados e desiludidos, acabam por querer desistir da atividade. O NC tem publicado nos últimos meses várias notícias dando conta da revolta dos agricultores e do seu apelo por ajuda.

A ideia é precisamente enfrentar este problema de longa data e transforma-lo numa vantagem.  A Câmara Municipal, por não ter na lei uma competência direta neste assunto, têm uma capacidade limitada de intervenção. No entanto, para ultrapassar esse obstáculo legal, criou um projeto multidisciplinar e com vários parceiros operacionais para tentar reverter o conflito em benefícios económicos para a comunidade courense, algo que a comunidade tem visto apenas como um problema.

As ações a implementar têm em vista dois objetivos fundamentais, a diminuição de prejuízos e aumento da rentabilidade da pecuária, por um lado, e o incentivo à valorização económica e ecoturística da imagem do lobo que possa gerar receitas para as populações locais.

Além da Município de Paredes de Coura, que concebeu, candidatou e obteve financiamento comunitário para o projeto, serão parceiros de terreno a Associação Aldeia e o CIBIO. Serão também envolvidas outras entidades, como o próprio ICNF (Instituto público com a responsabilidade neste assunto) e a ACHLI – Associação de Conservação do Habitat do Lobo Ibérico, pois o que se pretende é que as soluções sujam do diálogo das instituições com a comunidade.

A ALDEIA é uma associação que tem como objetivo contribuir para um desenvolvimento sustentável, fundamentado na conservação da Natureza e na preservação da Cultura e Tradições que sobrevivem nos meios rurais, como o nosso. Esta Associação, de âmbito nacional e quase uma década de experiência no tratamento destes problemas, é presidida por Isabel Sá e conta com o trabalho do veterinário e professor universitário courense João Brandão Rodrigues.

O CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genético da Universidade do Porto, por sua vez, é o parceiro cientifico do projeto. Dispõe de uma equipa de cientistas, entre os quais se destaca Francisco Alvarez – o maior especialista português na matéria – que se envolveu pessoalmente no projeto e elogiou-o no final da apresentação à Assembleia Municipal, precursores do estudo do lobo em Portugal e do conflito que lhe está subjacente. Será ao CIBIO que a base de campo do Centro de Investigação de Castanheira ficará afeta, procurando-se que este centro seja um espaço de apoio e procura de soluções ao qual as pessoas vítimas de prejuízos causados pelos ataques de lobos se poderão dirigir.

O edifício da antiga sede da Junta de Freguesia de Castanheira será então um espaço para os proprietários lesados, a comunidade (incluindo as escolas) e para investigação cientifica. É lá que será garantido o atendimento aos lesados para prestação de apoio na declaração de ataques ao ICNF e informação sobre os requisitos de indemnização por ataques de lobo, bem como as medidas de prevenção de ataques. Neste particular aspeto, os produtores poderão ter apoio para a submissão de candidaturas aos fundos comunitários do PDR2020 para financiamento de cães de proteção do gado e instalação de vedações.

O conhecimento e a investigação sobre o lobo estão associados ao projeto porque só conhecendo melhor o animal e os hábitos da espécie é possível adequar as estratégias de mitigação de conflitos, monitorizando a população do lobo e diminuindo o impacto predatório sobre a pecuária. Para garantir a informação a todos, além do centro de investigação, estão previstas reuniões com a população nas várias freguesias e a edição de um manual de boas práticas para criadores de gado com os métodos de proteção dos animais e as novas regras (a lei foi mudada em Janeiro de 2018) para ter direito de compensação por ataques. No caso das medidas de prevenção de ataques, está prevista a possibilidade de financiamento para a construção de cercas comunitárias (para vários proprietários) para confinamento de gado bovino e a criação de um grupo de criadores locais de cães de proteção para serem cedidos as proprietários pecuários.

Quanto às ações de fomento e incentivo para a valorização e comercialização de produtos com origem em território de lobo, pretende-se incentivar a criação e edição de materiais com iconografia associada ao lobo e para comercialização, com base em ilustrações e/ou artesanato de artistas locais e com breve descrição do projeto e informação sobre a ecologia do lobo e os conflitos com humanos. Como exemplo do potencial económico, foi usada por Tiago Cunha na sua exposição uma imagem da artista courense Margarete Barbosa, também já envolvida no projeto, e a tradicional utilização da lã na produção artesanal de vestuário, ou mesmo a produção de carne, que podem ser comercializados com a etiqueta de “terras de lobo” como forma de demonstrar a quem comprar estes itens que está a fazer um escolha de sustentabilidade, ambientalmente responsável, porque apoia uma comunidade que respeita o habitat do lobo. A mesma ideia é aplicável à promoção turística de trilhos e espaços naturais relacionados com o habitat do lobo.

As escolas e as crianças do concelho estarão também envolvidas durante dois anos letivos através de sessões de educação ambiental e saídas de campo, para os alunos do 1º. e 2.º ciclos e ensino secundário, com o apoio dos cientistas e parceiros do projeto. No final, está prevista a criação de um espetáculo cultural participativo com a comunidade escolar do concelho em torno do tema homem-lobo.

 

Por último, está prevista a realização de um documentário de média duração sobre a execução do projeto, com uma versão de curta duração sobre o conflito homem-lobo, sobretudo para poder promover o concelho no futuro.

Sobre o resultado do projeto, Tiago Cunha referiu, em conclusão, à assembleia: “Não temos 100% certeza do sucesso porque ninguém pode ter certezas absolutas de nada. Sabemos é que quando toda a comunidade se envolve o resultado é sempre muito bom. O conflito em que temos de concentrar-nos não é o do lobo contra as pessoas. A opção é entre o lado do problema e o lado da solução. Todos podemos escolher continuar do lado do problema ou então arriscar e procurar o lado da solução, como muito bem mostra a imagem da Margarete Barbosa.”

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