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O meu rico mês de Maio

4 de Junho de 2024 | Helena Ramos Fernandes
O meu rico mês de Maio
Opinião

O estado do tempo no mês de Maio é sempre surpreendente, mas o de este ano foi com certeza de extremos. Tivemos um pouco de tudo, até neve nas terras mais altas, no Dia do Trabalhador.
Nasci neste rico mês de Maio, o que o torna num mês especial para mim. Este ano, entre outras coisas, ofereceu-me uma Primavera recheada de surpresas, umas mais e outras menos agradáveis. Apresentou-se com picos de frio e calor à mistura. E estes deixaram estragos. Alguns terminados em ‘ites’, rinites, faringites, bronquites, e outros um pouco mais amargos. Daqueles que vêm acompanhados com ‘shots’ de azitromicina ou de outro antibiótico qualquer.

Eu, caro leitor, confesso que fui uma dessas vítimas, mas não fui a única. Sei que muitos outros courenses também se fartaram da cama, do pijama, do termómetro, por vezes avariado, e sobretudo dos lenços de papel.

Este meu rico mês de Maio, além de uma Primavera de extremos, ofereceu-me uma passagem de dez dias para o vale dos lençóis guiada por uma pequena broncopneumonia. Felizmente, e ainda neste mês que me é tão especial, completei mais uma Primavera e voltei a conseguir encher os pulmões de ar sem tossidela à mistura e, digo eu, de plena saúde.

Boa saúde, é o que todos queremos, caro leitor. Mas também poderíamos ter, e já não digo melhor como no passado, um bom Serviço Nacional de Saúde. Nada tenho a apontar aos profissionais da saúde. O problema são os números. E as decisões políticas, para quem os números, infelizmente, são quem mais ordenam.

Eu, por opção ou preferência, mas também porque me assiste esse direito, escolho tratar da minha saúde no serviço público. Tenho a sorte de ter um, digo, uma médica de família, atenta, interessada e profissional, e que conhece os meus problemas e os da minha família. Não fosse ela, literalmente, a nossa médica de família. Nada posso apontar neste campo, ao contrário dos milhares de portugueses que ainda se encontram sem médico de família apesar das promessas vãs de certos ‘gritadores de notícias’ ou quiçá dos seus reis.

Por outro lado, nada tenho a apontar aos profissionais da saúde do meu concelho de residência, incluindo os do atendimento aos doentes, a quem recorro sempre que possível. Alguns nem sempre são empáticos, mas, no entanto, o que é bem mais importante nestas situações, não deixam de ser profissionais, mesmo quando são levados aos limites por não terem nem solução nem permissão para procurá-las.

No que toca às burocracias, estas, e bem, foram aligeiradas e algumas simplificada para os utentes mais cibernautas. No entanto, nem todos, lembrando aqui a maioria dos mais idosos, são tecnológicos ou cibernéticos. Para estes, talvez o sistema esteja um pouco mais complicado. A tecnologia ou até mesmo a inteligência artificial devem complementar a saúde, mas a meu ver, a humanização desses serviços também é muito importante, para não dizer mais importante. E é por isso que todos os profissionais da saúde deveriam ser valorizados e consequentemente mais bem pagos. Eu acredito que todos ganharíamos com isso. Ter vocação, ter ética e deontologia no desempenho de qualquer função é muito importante, mas a justa recompensa e a valorização profissional também o é, e esta quando não é praticada, ganha poder para corromper tudo o resto.

Temos bons profissionais de saúde no sector público, mas, no entanto, poderiam ser muito melhores, bastava que se aumentassem alguns números, mais pessoal e maior retribuição financeira. Poucos e bons não é o suficiente para aqui, queremos muitos e bons e bem remunerados. Para isso pagamos tantos impostos. Quando me perguntam se eu tenho seguro de saúde, respondo que sim, uns por opção e outro, o SNS, por obrigação legal.

Voltando ao meu episódio, que me encaminhou a escolher o sector público, no qual não quero deixar de confiar. Apresento-vos o trajecto que eu percorri até encontrar o diagnóstico e a solução para o meu problema de saúde. A minha vontade, como aconteceu no passado, era ser vista no meu concelho pelo meu médico de família ou outro que estivesse de serviço. Mas isto era impossível, tendo em conta as regras actuais, as que foram ditadas pelos números. E porque as vagas diárias para consulta são muito poucas, e os madrugadores ganham o direito às mesmas. Sem qualquer hipótese local, e porque só ligo para o 112 em caso de gravidade extrema. A solução foi percorrer 30 km para o serviço de urgência em Ponte de Lima.

Chegada as urgências, esperei cerca de 15 minutos a ser chamada à triagem. E aqui vem um reparo em relação aos profissionais das triagens, recordando e lamentando o caso que ocorreu nas urgências em Viana do Castelo e que resultou na morte de um utente a quem foi atribuída uma pulseira verde. A sorte não pode nem deve fazer parte do processo para a escolha da cor da pulseira que é atribuída aos doentes. Diagnosticar a urgência, na maioria dos casos, não deve ser pêra-doce.  Acredito que a dúvida associada à falta de sinais aparente possam dificultar esse tipo de decisão. A triagem deve incluir o máximo de testes rápidos possíveis conforme inquérito e chave dicotómica associada. E, em caso de dúvida na perigosidade da situação, optar sempre para mais, nunca para menos. Porque os problemas graves podem estar bem dissimulados, e os sintomas disfarçados. No meu caso estava sob o efeito de Paracetamol, logo sem febre. Tive direita a uma pulseira verde, fiquei com a ideia que não tinha nada de grave e entrei em modo de espera despreocupada, às 18h15. Permanecia 3 horas à espera de ser chamada, estava sossegada porque tinha uma pulseira verde. Após a consulta médica, a radiografia e o veredito final passou-se mais uma hora. Afinal não era apenas uma constipação, era bem mais grave. Senti-me enganada. Mas com sorte também, em 4 horas obtive o meu diagnóstico, por se tratar de um dia calmo nas urgências.

Preciso de continuar a confiar neste serviço público, caro leitor, e apesar das muitas histórias contadas na primeira pessoa, como esta que acabo de relatar, e algumas com finais menos felizes, quero acreditar que as coisas vão melhorar. Que os nossos políticos se vão empenhar para corrigir o que está mal. E apresentar soluções para que a engrenagem funciona em prol da saúde da população. Investir na componente tecnológica, ajudar, mas valorizar a componente humana, lubrificar as engrenagens, mesmo as mais obsoletas, e tenho para mim que possa ser muito mais eficiente.

Termino despedindo-me do meu rico mês de Maio, o mês que me viu nascer, caro leitor.

 

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