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QUOTIDIANO

20 de Novembro de 2018 | José Augusto Pacheco
QUOTIDIANO
Opinião

Chegar a Salvador – pátria literária de António Vieira e Jorge Amado, pátria musical de Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gilberto Gil, baía segura de caravelas e achamentos, registados por carta de Pero Vaz de Caminha – é um dom da natureza.

É um dom que se se recebe e que jamais se pode agradecer na totalidade, mesmo que a chuva de primavera me tenha impedido de visitar, mais uma vez, o centro histórico que melhor representa o Portugal de setecentos e oitocentos, no seu colorido de construções de praças e casas, bem como no seu abundante registo de edifícios religiosos, milimetricamente espalhados pela parte alta da cidade.

Da cidade de Salvador salta-se facilmente para outros lugares deslumbrantes. Conheci, desta vez, Itapuã, muito perto do aeroporto, e mais precisamente a casa de Vinícius de Moraes, um carioca apaixonado por uma baiana, a quem escreveu poemas que só ele poderia ter escrito, naquela praia de encantos, pintada de cores tropicais.

Na casa do poeta, sugestivamente com o nome de Di Vina, há um memorial desse encontro de amor, observável em objetos pessoais e em muitas fotos, espalhadas pelas paredes com estórias de uma mestiçagem literariamente identificada.

E de Salvador fui ao Rio de Janeiro, a eterna cidade maravilhosa. Nela andei pelas ruas de Copacabana e Ipanema, nela revisitei o centro histórico, com o mesmo percurso que se repete há anos, passando pela Candelária (desumana pelos homens de rua, que por ali são cruéis pedras atiradas pela sociedade) e nela pude apreciar o sol azul, raiando depois das chuvas mais fortes que trazem quase sempre a desgraça.

O forte de Copacabana, militarmente controlado, mas aberto à cidade, para passear e desfrutar as magníficas vistas da cidade, é um local aprazível, calmo e relaxante, contrariamente à cidade que mora ali ao lado, repleta de muitos receios e contradições.

Esperava uma cidade mais tensa. Mas não.

O boteco Bip-Bip, do Alfredinho, mantém a sua magia noturna, a avenida Atlântica parece um reservatório humano do mundo e a avenida Nossa Senhora de Copacabana veste a lídima indumentária brasileira, oferecendo recantos de bem-estar, seja num pequeno café, seja num boteco de sucos e cerveja e pastéis, seja, ainda, numa casa de comércio, alinhada pelo modo de bem receber.

A tensão está, agora, do lado invisível, mas que se escuta e sente.

Respira-se um ar politicamente perigoso, com uma divisão marcante entre as pessoas. Tudo pode acontecer. As promessas políticas são já uma bravata, isto é, palavra de fanfarrão, algo dito arrogantemente e depois esquecido, dada a impossibilidade de as cumprir.

Sobram as medidas neoliberais, que chegarão em força e repentinamente. E dessas os portugueses já sabem muito bem o que são e de que modo destroem vidas de pessoas, que contam como números e não como sujeitos.

Tantas Candelárias há no Brasil!

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