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9 de Maio de 2023 | José Augusto Pacheco
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Opinião

O Ciclo “Memórias da Guerra em África”, apresentado, na forma de catálogo, não pode deixar de surpreender, sobretudo pela tríade evocativa – o Berço, a Guerra, a Memória – que testemunha a relação do passado com o futuro.

Nas suas palavras introdutórias, Vitor Paulo Pereira aborda esta questão da interpretação histórica, a que não são alheias as ervas daninhas, os caminhos velhos e os pedaços de luar, ou seja, a complexidade da vida humana inscrita na ação quotidiana das pessoas, no seu contexto e nos seus modos de viver e pensar, e não tanto na estrutura, cada vez mais global, que traça o destino das conjeturas e dos acontecimentos.

A micro-história e o quotidiano oferecem outra perspetiva à linguagem do tempo, revelando momentos da vida humana tão distantes do tempo estrutural e valorizando o papel das pessoas no dia a dia dos factos, geralmente tratados como acontecimentos superficiais e efémeros, porque, nas visões gerais e nos estudos que abrangem longos períodos de tempo, há uma tendência para descrever o desenrolar de processos grandes e anónimos como se os seres humanos individuais não tivessem qualquer papel neles.

Sim, tiveram, aliás como é referido por Manuel Tinoco, no Prefácio, em que fala da vida normal das pessoas e dos soldados que, depois da aventura africana, abraçaram o destino da diáspora.

O primeiro momento da tríade é o Berço, encarado como local de germinativas ideias e brotantes acontecimentos, seja, no caso concreto do Catálogo, a transcrição das palavras com que Aquilino Ribeiro inicia a Casa Grande de Romarigães, em 1957, ou as 19 imagens que corporizam o contexto da interpretação histórica sobre as memórias de Coura nessa guerra colonial ou do Ultramar.

Cada imagem convida-nos a imaginar as realidades próprias de um contexto que é a semente que rebenta e dá vida aos soldados que de Coura partiram para África e para Timor, como já o tinham feito para a Índia. Cada um de nós retira sentidos diferentes dessas imagens que se assumem como uma consciência mágica de muitos possíveis textos no entendimento claro do que é a verdade e a beleza.

São de Coura estas imagens e sendo a preto e branco ainda mais adensam o mistério que cada uma delas encerra, pois apresentam visões do mundo, e estas não vibram no cinzentismo binário que joga entre o branco e o preto. As cores dessas imagens existem em nós como vontade de esclarecimento de algo que não podemos compreender de modo completo.

Vilém Flusser, em “Ensaio sobre a fotografia: para uma Filosofia da Técnica”, afirma que as imagens a preto e branco são as mais verdadeiras, mas também as mais mentirosas, na medida que escondem ainda melhor a complexidade teórica que lhes deu origem.

As mensagens destas 19 imagens representam um espaço e um tempo, adensando as perspetivas a decifrar por quem as observa, agora presas a uma interpretação que não pode ser dissociada de uma guerra onde estiveram soldados de Coura.

[continua]

 

 

 

 

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