Última Hora

quotidianos

27 de Junho de 2023 | José Augusto Pacheco
quotidianos
Opinião

Ter um dia de convívio com alguém de Coura que faz da profissão um modo exigente de vida, com momentos de muita conversa sobre o que há de mais diverso, é um privilégio que não posso deixar passar em vão, sobretudo pelo modo aberto e sincero com que o diálogo é estabelecido.

Num dado momento, e porque não estava a conseguir resolver, com a usual ferramenta, determinado problema, essa pessoa uniu todos os seus esforços e, com as ganápulas, de forma imediata, ultrapassou a dificuldade que se levantara.

Ouvi e anotei mentalmente, sempre com os meus ouvidos sensíveis aos regionalismos, a expressão “com as ganápulas”.

Não a escrevi de imediato, como fazia Aquilino Ribeiro que anotava no seu caderno de regionalismos as expressões e as palavras que ouvia das pessoas em dias de romaria ou feira, tanto nas Beiras, quanto no Alto Minho. Mais tarde, quis saber da tal expressão que usara de manhã e aí já ficou inscrita no meu vocabulário.

Não precisei muito de indagar, junto do meu interlocutor, o significado da expressão, porque eu mesmo observei a realização da tarefa com as mãos, sem qualquer mediação de outras ferramentas de trabalho.

Porém, mais do que a resolução da tal situação, foi o modo enérgico como pronunciou essa expressão que mais me cativou, sobretudo porque, ao mesmo tempo que a dizia, resolvia o que até ali lhe dera cabo da cabeça,

Ou seja, sentiu ganas, teve ganas de, deu-lhe uma gana ou, por assim dizer, de modo mais concreto, teve um impulso, um ímpeto ou sentiu raiva pessoal, e investiu todas as suas forças nas mãos que se debatiam com uma ferramenta que não o ajudava em nada.

Colocou a ferramenta de lado e movido de uma outra energia, daquela que apenas vamos buscar em momentos mais críticos, movimentou hábil e convictamente as suas mãos, não como um ganapo (catraio, garoto, miúdo), mas como adolescente ou adulto possante, isto é, usou as suas manápulas (no singular, mão muito grande).

Embora a palavra manápula derive, de forma errada, de manopla (também de origem castelhana e, por sua vez, vinda do latim manapula), é muito mais plausível que a expressão “com as ganápulas” tenha origem etimológica na palavra castelhana gana, estando dicionarizada na língua portuguesa o termo ganapão, derivada da mesma língua (ganapán) e com o sentido de trabalhador rural.

Se estou com ganas de, e se aquilo que faço com uma dada ferramenta não me resolve o que pretendo, então uso as minhas ganápulas ou mãos, de forma enérgica, como se tivesse uma luva de ferro, a que também se dá o nome de guante, derivada do catalão guant.

 

 

 

Comments are closed.