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26 de Março de 2024 | José Augusto Pacheco
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Opinião

“Por quem os sinos dobram” é um dos melhores romances do escritor Ernest Hemingway. E também um dos mais críticos sobre a guerra.

Somente um escritor de uma sensibilidade extrema, deixando as personagens assumir suas dúvidas e contradições, é que poderia fazer uma tão feroz crítica à guerra, pressentindo o odor profundo da miséria humana que qualquer guerra provoca.

Por isso, o romance, cujo enredo se situa na guerra civil espanhola, de 1936-1939, traduz a desumanidade da guerra, com todo o sofrimento que causa e que, ao mesmo tempo, a aceita como evento real na vida das pessoas.

Na claridade das ideias, Hemingway joga com as contradições a que a sociedade está sujeita numa guerra, já que esta embrulha as pessoas em conspirações que contêm o adverso daquilo que elas realmente são ou daquilo que naturalmente pensam e fazem.

Os sinos dobram pelos mortos, apelando, por um lado, à solidariedade social e, por outro, ao esquecimento pessoal, pois a guerra tende a fazer da morte um acontecimento que facilmente pode ser ignorado, por mais fortes que sejam as imagens que presentemente são mostradas a partir da Ucrânia ou da Palestina, por exemplo.

Ao longo dos últimos dias, depois das eleições legislativas de 10 de março, tenho pensado, de modo apreensivo, nos 50 anos que a revolução de 25 de Abril cumprirá muito breve.

Será que os sinos também dobram pela democracia?

O poder da democracia está em perigo como nunca esteve, sobretudo se este regime político proteger as ideias, que as pessoas livremente podem expressar, como direitos fundamentais e inalienáveis.

Um voto de protesto é justo democraticamente, mas se a esse voto for acrescentada uma ideologia extrema, longe dos princípios de uma democracia, pessoal e socialmente aceite como garantia da condição humana, então o voto transforma-se numa arma que não se distingue muito daquelas que são usadas numa guerra, dando a impressão que os sinos bem podem tocar, porque já ninguém os ouve.

A imagem da guerra que Hemingway traça no romance “Por quem os sinos dobram” faz parte da realidade em que vivemos.  A explosão da ponte de Segóvia, a que se dedicou o jovem norte-americano, pode significar  o corte no diálogo democrático que certos movimentos e partidos de extrema-direita provocam, no sentido de excluir os Outros, porque os seus líderes (e não se pode generalizar ao nível da maioria dos seus votantes) assumem o Nós, como se habitassem um outro mundo, sem guerras, contradições, imperfeições.

Continuam, é certo, tais líderes a viver numa realidade paralela, fazendo da um enorme obstáculo à expansão das suais ideias.

Porém, e para a defesa da democracia, uma coisa é aceitá-las e outra coisa é normalizá-las.

 

 

 

 

 

 

 

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