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QUOTIDIANOS

29 de Maio de 2019 | José Augusto Pacheco
QUOTIDIANOS
Opinião

Quando a crónica tem de acontecer, há uma série de possibilidades que servem de opção, sendo ainda a mais fértil, para mim, o reservatório de estórias vividas na infância e outras na adolescência, se bem que esta tenha sido passada com um pé fora de Coura.

Escrevi, não há muitas crónicas, sobre o Zé da Tasca, senhor absoluto dos vinhos vendidos à malga e à caneca, no lado poente da praça principal da Vila, onde esteve localizada a praça de táxis, em tempos em que ter carro era um luxo de poucos e raros courenses.

Depois que deixou, por vontade própria, o comércio e a venda de vinhos, verdascos no paladar e autênticos rios embriagados em sábados de feira, sobretudo pelo fim da tarde, surgiu um jovem decidido a pegar no negócio.

Sendo homem de poucas conversas, já que vivia encharcado de palavras ouvidas por obrigação, logo acertou o negócio, com estas palavras, O negócio é teu, pagas-me uma percentagem por feira, e eu continuarei a comprar as pipas de vinho lá para os lados da Ribeira, sendo o responsável pelo seu transporte.

Com esta generosidade, o jovem, sem nome, por uma questão de recato que esta crónica deve ter, logo aceitou a obrigação, sentindo-se entusiasmado com a oferta, já que podia usar a tenda, os pipos, a louça, tudo o que fazia daquele sítio um verdadeiro local de magia, nascendo do nada um negócio que dava dinheiro, mesmo que os sábados de paredes estivessem totalmente ocupados.

E este jovem manteve-se por um bom par de anos neste negócio, ganhando o dinheiro suficiente para pagar ao Zé da Tasca e para fazer o seu pé de meia. Sendo um rapaz culto, amigo de uma boa conversa erudita, sem a necessidade de reinventar palavras, começou a sentir-se cansado do palavrão, vernaculamente minhoto, nada ofensivo, mas incómodo quando pronunciado com raiva de quem quer manter a sua verdade espontânea.

Aprendeu bastantes palavras, que ouvia com um sorriso, do linguarejar quotidiano das pessoas, que não é assim tão exclusivo de Coura, se bem que a listagem realizada por Narciso Alves da Cunha, e publicada em 1909, continue a ser a principal fonte credível e aceitável do vocabulário, linguagem popular e alocuções (numa tentativa séria e fundamentada de “estudar a linguagem do povo deste concelho, pondo-me em contacto com ele em muitas e variadas situações do seu viver: nos trabalhos, nas romarias, no lar doméstico, na dor, na alegoria, no escritório e no tribunal”, devendo ser acrescentada a sabedoria).

E um dia também se chateou, cansado de conversas amargas, de zaragatas e de sujeitos varólas, entregando ao Zé da Tasca o negócio, que terminou nesse mesmo dia, porque a feira de Paredes, tal como acontecera com a de Padornelo, foi chão que deu uvas.

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