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19 de Novembro de 2019 | José Augusto Pacheco
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A 15 de setembro 1956, pelo registo escrito do “Notícias de Coura”, fala-se muito dos novos edifícios escolares do ensino primário, com esta nota de interrogação crítica:

“O que é de estranhar é que havendo escolas novas em quase todas as aldeias [do concelho de Paredes de Coura], na Vila, sede do concelho, haja um casarão, modelo “Conde de Ferreira”, onde funcionam –parece-me – três escolas, situado num péssimo local e em declive ao norte, Local frio e um tanto húmido, foi ali que construíram o edifício escolar “Conde de Ferreira”, tolhido de sempre pela sombra do Templo do Espírito Santo e do Hospital da Misericórdia, pela parte sul, sem que os raios benéficos do sol o iluminem e aqueçam.

Nesse casarão, mal iluminado e, portanto, insalubre, funcionam, como vimos referindo três escolas, acanhadamente, sem conforto e bem-estar mínimos, em contraste com as exigências e métodos modernos adoptados na construção de edifícios escolares. Nem tem, exteriormente, espaço de terreno para recreio das crianças, sob um alpendre coberto que as resguarde de todas as intempéries, nem para um pequeno jardim, onde se possa ministrar o ensino rudimentar da botânica, objectivamente, nem um trato de terreno, embora de reduzida área, onde as crianças recebam, pelos professores, o ensino prático da agricultura, como superiormente é recomendado.

E, para cúmulo de prejuízo para a saúde de professores e alunos, esse casarão tem uma porta principal voltada ao norte, por onde os ventos fortes entram furiosamente quando sopram daquele rumo”.

Continua o registo com mais palavras de lamento, concluindo que “a população infantil, que já é numerosa e com tendência a aumentar de ano para ano, reclama a necessidade desse melhoramento escolar”.

Bem, esta é a minha escola, descrita alguns anos antes de a ter frequentado. Estive nesse espaço quatro anos, tendo passado pelas três escolas, ou pelas três salas, a que chamávamos a “da frente” (onde fiz o primeiro ano)”, a “do meio” (onde completei o segundo ano e onde fiz também o exame final do ensino primário, num mês de julho já bem quente) e a “de trás” (onde estive nos dois derradeiros anos).

Quando criança não tive esta visão. A escola marcou uma rutura com o quotidiano, constituindo o primeiro momento para aprender a ler, escrever e contar, e esse casarão era um albergue feliz de muitas expetativas.

Gostaria de ter usufruído de um espaço amplo, é certo, de ter salas maiores e com melhores condições, sem dúvida, de ter um recreio mais amplo, com cobertura para os recreios em dias de chuva, absolutamente, mas foi ali que aprendi, por métodos tradicionais e com violência física nos dois primeiros anos, e direi mais ainda: por métodos muitíssimo tradicionais e com uma exagerada, incompreensível e humilhante violência física.

Dispensei bem o terreno para aprender a prática da agricultura.

Foi ali que cresci e, hoje em dia, esse casarão é uma biblioteca.

Como gostaria que a biblioteca de hoje tivesse sido a minha escola de ontem!

 

 

 

 

 

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