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11 de Agosto de 2021 | José Augusto Pacheco
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Opinião

“Eu te batizo, criatura de Deus, em nome do Padre, e do Filho, e do Espírito Santo, Amém.”

Assim foi em tempos marcados pela elevada taxa de mortalidade infantil, em que o nascer para o mundo significava uma verdadeira aventura, sendo necessário agir de imediato para que a criança não morresse sem ser batizada.

Se corresse “iminente perigo de vida,” era administrada à criança o sacramento do batismo, aparecendo devidamente sinalizado no registo oficial da Igreja Católica, cuja validade era posteriormente reconhecida pelo pároco através de palavras que rezam assim: “lançando-lhe agora natural ao mesmo tempo que profiro as palavras, o que examinei minuciosamente para me certificar da validade do batismo do menino, que nasceu às duas horas da manhã do dia dezoito do mês de dezembro de mil oitocentos e sessenta.”

Quem seria o/a administrante?

Pelos registos lidos da paróquia de S. Mamede de Ferreira, constata-se que era geralmente uma mulher, o que bem poderia ser a parteira, porque era também aquela que teria a experiência de olhar assertivamente para a criança e logo reconhecer, de forma sensata, se ela estaria ou não na fila para “ir contar os pintainhos do senhor Abade”, como se usa ainda dizer.

E tudo isso acontecia em tempos em que o concelho crescia populacionalmemte, em que a maioria das pessoas trabalhava nos campos, “na profissão de lavradores” ou “cabaneiros” ou “jornaleiros”, embora existissem também carpinteiros, alfaiates, doceiras, tamanqueiros, padeiros/as, caiadores, costureiras, criadas de servir, ferradores, negociantes, moleiros/as e ainda “pessoas nobres.”

Pelo censo de 1864, 12 386 pessoas residiam no concelho de Coura, atingindo o valor máximo (16 062), em 1950; pelos dados preliminares do censo de 2021, o número de pessoas residentes é de 8 636.  Não adianta carpir sobre os dados da demografia, cada vez mais um fator de divisão entre o litoral e o interior. Contudo, a qualidade de vida das pessoas é a verdadeira questão que pode ser discutida de forma mais pertinente, quando a tendência dos números nos quer fazer acreditar em falsas multidões.

Por exemplo, e tendo ainda como referência a paróquia de S. Mamede de Ferreira, mas agora no ano de 1860, verifica-se que, dos 33 batismos realizados, dez indicam que são de filhos ilegítimos. Para além deste número elevado, a origem social é por mais evidente: todas as crianças nessa situação nascem de mães solteiras, de profissão lavradeiras ou cabaneiras.

Noutros casos tais crianças seriam abandonadas à porta de casas mais abastadas, como aconteceu, em 1861, a esta exposta: “encontrada por M.R., viúva, à porta da sua morada, no lugar da Portela, desta freguesia, às onze horas da noite, com os sinais seguintes: “um rosário ao pescoço e um pobre enxoval e um escrito que dizia ‘a criança vai por batizar e o pároco batizante lhe dará o nome de V.C.,’ na sua fisionomia se divisavam olhos azuis.”

 

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