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Silvino Santos, o autarca da Liberdade

6 de Outubro de 2015 | Margarete Barbosa
Silvino Santos, o autarca da Liberdade
Agualonga

Prestes a completarem-se quatro décadas sobre as primeiras eleições autárquicas do pós 25 de Abril, exactamente em 1976, o NC foi ao encontro do primeiro presidente da Junta de Agualonga eleito democraticamente, por isso mesmo conhecido como o autarca da Liberdade, o homem que durante mais tempo foi detentor do poder na freguesia. Seu nome: Silvino Joaquim dos Santos.

Se de uma peça de teatro se tratasse, a vida de Silvino poderia ser dividida em quatro actos: o agricultor que tudo deve à riqueza da terra que o viu crescer e o fez homem matando-lhe a fome; o autarca que contou seis mandatos à frente dos destinos de uma freguesia; o membro dos Zés Pereiras de Agualonga, grupo fundado pelo seu pai onde tocava para afastar as dificuldades da vida e exaltar as alegrias; e o chefe de família: 13 filhos, dos quais 6 são falecidos, 13 netos e 4 bisnetos que lhe iluminam os 82 anos de vida.

Remontemos aos seus saudosos 43 anos de idade, quando Silvino se sagrou presidente de Junta, eleito por maioria absoluta ainda em plenário (Agualonga não tinha eleitores suficientes para ir às urnas, tal como ainda sucedia até há pouco, antes da agregação, em Porreiras). Estávamos no ano de 1976, a Revolução de Abril acabara com a subida ao poder de homens convidados para assumir os cargos, no caso concreto de Agualonga, pelas “Senhoras da Casa do Outeiro”. “A D. Isabelinha escolhia o presidente, o secretário e o tesoureiro. Naquele tempo, só meia dúzia de homens votavam”, Silvino nunca se interessou muito pelo voto nessa altura, que era um voto manipulado: “já sabíamos quem seria o eleito”. Por causa desse desinteresse, apenas se dirigiu à antiga escola primária, local de voto, “uma ou duas vezes”. “O regedor era também um homem convidado para o cargo e tratava de papeladas da tropa e zaragatas, no fundo mantinha a ordem na freguesia”. Silvino foi suplente uma vez, norma que servia de socorro, caso alguém “faltasse aos seus deveres” na Junta. Depois do 25 de Abril, foi secretário de uma comissão administrativa criada com o intuito de substituir os antigos membros da ditadura, até novas eleições democráticas. Foi este, um período muito importante para a carreira política de Silvino, pois, assumindo o seu papel, conseguiu adquirir conhecimentos administrativos (correspondência, atestados, emigração, etc.) para o avigorar na vida politica. “Se não sabia tratar de alguma papelada, ia á Vila. Pedia para me fazerem um rascunho, trazia um exemplar e a minha fi lha Rosa ajudava-me. Tanto ela como o Sr. Melo que trabalhava na Câmara na altura, foram um grande apoio no início da minha carreira.” Silvino, eleitor nº 1 de Agualonga, recorda a elaboração do primeiro recenseamento da população local. “Na altura, sendo tudo novidade era igualmente confuso. Não havia tanta informação como hoje, já se sabe. Fui ter com o Pereira Jú- nior que na altura não era presidente. Pedi-lhe para me recensear, ali mesmo, num café da Vila. Trouxe o documento para casa, que serviu para a minha fi lha ter como modelo. Era tudo assim.” O seu empenho na Junta deu frutos e com os conhecimentos adquiridos, Silvino, como referido anteriormente, foi eleito, em 1976, presidente da Junta com uma maioria esmagadora. Eleito em plenário, isto porque naquele tempo Agualonga não reunia mais de 300 eleitores, uma votação à vista de todos. Cada pessoa escrevia o nome da sua eleição e um homem lia e assinalava. Fiquei muito feliz nesse dia. Senti-me realizado e merecedor daquele cargo e principalmente daquela confiança”.

Primeiro presidente de Junta eleito democraticamente retirou-se para a pacatez do seu lar

Primeiro presidente de Junta eleito democraticamente retirou-se para a pacatez do seu lar

Nos cofres não encontrou fortuna, “não havia quase nada, apenas uma verba para o caminho do Poço e do Tarrastal”, relembra. ”Com muito esforço e ginástica arrancámos o mandato. Trabalhávamos com amor, esmero e consciência tranquila, sem nada ganharmos”. O desafio era o seu lema político.

Silvino sabia que era necessário ter braços de ferro, aprendeu-o com seu pai, João António dos Santos, presidente durante 8 anos, no regime da ditadura.

Em 1979, já em regime de lista partidária, decidiu não se candidatar: “Era sempre uma guerra em casa”, esclarece de forma divertida. “A minha mulher e os meus filhos nunca acharam muita piada ao facto de os deixar para tratar dos assuntos da Junta. Passava muito tempo na Vila… Era um marido e pai ausente”. No decorrer da campanha, apoiavam-me muito. Porque aí já não havia nada a fazer”, recorda com gratidão.

Num tempo em que a agricultura prosperava e “dava gosto viver dela”, tinham porcos, vacas, coelhos e galinhas. Comiam carne suína, e o restante era para venda assim como o trigo, centeio, milho e aveia. O feijão, grão, verduras e fruta era tudo para consumir em casa ao longo do ano. “Tinha dois carros de vacas mas andavam com eles… estava sempre a tratar de assuntos da Junta. Preenchia-me o tempo todo”. Consciente da desaprovação da mulher, Conceição de Brito, dada a sobrecarga do trabalho em casa, as lides a amontoar, os filhos para criar, os animais e cereais por vender, o dinheiro a escassear, o octogenário recorda as palavras dela com alguma dor.

Em 1982 encabeçou a lista do PS e saiu mais uma vez vitorioso. A seu lado tinha como secretário o actual presidente da Junta, João Cerqueira, e Jorge José da Cunha, do Lugar de Cabanas, já falecido, como tesoureiro. “Não parávamos de fazer obras na freguesia. Também é verdade que havia sempre muito pouco dinheiro no banco, mas nunca chegou a negativo. O dinheiro vinha da venda de madeira e dos subsídios do município. “Tínhamos o pinhal como garantia para fazer face a algum problema financeiro que pudesse surgir. Por unanimidade decidíamos fazer obras e contratar homens, pagos ao dia, os jornaleiros recebiam quinzenalmente, não recebiam muito, é verdade, mas por vezes eram 8 homens a trabalhar, e por muito pouco que fosse, naquele tempo de miséria, dava muito jeito.” Alvo de várias denúncias ao longo dos tempos, Silvino sentiu-se sempre protegido pelos “Senhores da Câmara”, sabia que “defender-me-iam sempre que precisasse, com unhas e dentes, dada a boa relação, tanto com o Sr. Guerreiro como depois com o Sr. Pereira”. Acusado de “contratar” homens sem descontos nem seguro e de dar trabalho a miúdos que saíam da escola, a verdade é que Silvino nunca estremeceu, “preferia vê-los a trabalhar, a saberem o que custa a vida, do que vê-los a andarem na vadiagem”, justifica. Homem destemido e de causas justas, apostou como prioridade na construção dos acessos às casas “de maneira a passar lá um carro” e posteriormente, nos acessos aos campos de cultivo. Teve vários reveses e obstáculos mas fala da sua vida com orgulho, todavia sem grandes vaidades – ainda que motivos não lhe faltem para que lhe perdoássemos alguma imodéstia. Mas não. Prefere a humildade, essa postura que enobrece os homens.

“Antigamente não se ganhava nada por ser presidente, e foi dos anos que mais gostei de exercer esse cargo. As pessoas ajudavam sem interesses, todos lutávamos pelo bem comum. Nas mesas de voto, ninguém recebia, os familiares levavam o almoço para que não precisassem de sair de lá. Quando comecei a receber alguma coisa, era 50 contos de 3 em 3 meses, era para os bilhetes do autocarro, pelos vários dias que ia de manhã e voltava já de noite”, relembra este facto, assim como o da canalização de S. Caetano e da escola primária: “não havendo verba, disse ao Sr. Guerreiro, presidente da Câmara na altura, que apenas precisava de dinheiro para os canos e que da mão-de-obra trataria eu. E assim foi. Com a ajuda dos populares, a Junta trouxe a água “aos dois pontos centrais da freguesia”. O município acabaria, pouco depois, por trazer a água a todos os lugares, “uma grande luta”, acrescenta.

Em 1985 decidiu não se recandidatar. Silvino era assim: tomava os punhos das iniciativas, e depois saía, deixando a obra nas boas mãos dos seus conterrâneos. Depois fez mais três mandatos seguidos. “Foram mandatos com maiorias absolutíssimas. Eu só me candidatava porque sabia que as pessoas tinham confiança em mim e eu confiava no eleitorado. Foram muitos anos na Junta, não estou arrependido e acredito que as pessoas também não se arrependem de me ter tido como presidente. Em 1989, o antigo presidente tinha deixado o edifício da sede da Junta de Freguesia nos alicerces. Construímo-la, assim como o polidesportivo e o campo de futebol”, acrescenta ainda.

Até que em 2001, aos 68 anos de idade, decidiu abandonar definitivamente. Deixou a política “porque quis”, com um sentimento de dever cumprido e com o orgulho de, nos seus últimos anos de autarca, ter conseguido concretizar obras ambiciosas e nunca ter perdido com ninguém. Diz ter deixado “uma boa quantia no banco da freguesia e obras alinhavadas, os tempos também eram outros”, confessa.

Graças à sua simplicidade e lucidez, Silvino reparte o sucesso das suas conquistas com outros companheiros de causas. “Não podemos fazer só o que a nossa cabeça manda, temos de ouvir também o que outras cabeças pensam. Eu dizia, mas só riscava se eles concordassem”.

Hoje vive sossegado na pacatez da sua reforma. Viúvo há 6 anos, tratando da horta e dos animais que teima em possuir por distracção. “Vivo feliz”, remata sob o seu eterno sorriso.

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