Última Hora

quotidianos

3 de Agosto de 2017 | José Augusto Pacheco
quotidianos
Opinião

Existia e inexistia. Era alguém em passagem, hoje dir-se-ia, em palavras pós-modernas, era um não-alguém.

Casou bem cedo e encheu rapidamente a barriga da sua mulher de filhos vários, nascidos sem que o ritmo das luas pudesse esperar.

Anos mais tarde, partiu para bem longe, para outro continente, em busca de um sustento familiar que não encontrou na terra de Coura.

Chegou e logo arranjou trabalho, passando a enviar algum dinheiro que foi alimentando os filhos que deixara à volta da saia preta da mulher.

Sim, preto foi sempre o seu traje depois do marido ter partido para um lugar que não sabia descrever.

Se lhe perguntassem onde estava o marido, apenas dizia “Lá longe, muito longe”.

E assim se manteve, por muitos e longos anos, enviando com o dinheiro algumas palavras de conforto, perguntando pelos filhos e prometendo que regressaria em breve.  E esse breve foi sendo transformado numa eternidade.

Os filhos, entretanto, casaram e dos netos sabia apenas o nome. Não havia ainda as fotos dos telemóveis, e tirar uma fotografia era um dia quase inteiro em Paredes, depois de muitos caminhos andados a pé.

Porque entendia que ainda não ganhara o suficiente, manteve-se por lá até à idade da reforma, já com os sessenta anos bem entrados, inconfundíveis pelos cabelos brancos, pela tez da face rugosa e pelas mãos calejadas de trabalho. Tinha envelhecido vertiginosamente, deixando para trás os seus anos de moço emigrante.

E regressou. Não de navio, como partira, mas de avião.

Os filhos não o conheceram, a mulher estava velhinha de canseiras, morrendo poucos meses depois, sem uma crítica que fosse, evitando que o vento lhe segredasse, ao seu senhor marido, as muitas palavras que dissera nas noites frias da vida.

E viveu mais uns anos, no silêncio profundo de um desgosto que não sabia explicar. Depois morreu. E com ele partiu uma das muitas estórias tristes da emigração.

E agora recordo os textos que foram escritos no Notícias de Coura na década de 1960. Que a emigração era uma desgraça familiar, que a vida urbana fazia promessas que não podiam fazer esquecer a alegria e a felicidade da vida rural.

O encanto da terra natal seria algo de extraordinário que de modo algum podia ser contagiado pela emigração, que só trazia a desgraça humana.

Se estas ideias forem apenas filtradas a partir deste caso, certamente que sim, mas tantas outras foram estórias de sucesso da emigração que aconteceram para toda a família.

Comments are closed.