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QUOTIDIANOS

9 de Janeiro de 2018 | José Augusto Pacheco
QUOTIDIANOS
Opinião

Numa Coura distante, no tempo e no modo de vida, muito centrado na agricultura de subsistência, Zé da Naifa era um homem assaz conhecido na sua freguesia. Todos o conheciam e ele a todos conhecia pelo nome, fossem novos ou velhos, mesmo os que viviam em casas repletas de filharada.

Era pastor, percorrendo diariamente os montes de Ferreira e Formariz, com uma enorme disponibilidade para servir os outros. Gostava do que fazia e não se imaginava a cavar a terra dos campos, nem à espera que as sementes germinassem, pois era homem de andar de cabeça levantada e jamais se deixara curvar ao trabalho da enxada. Sim, era pastor, não de si, mas dos outros, não sendo o dono das ovelhas e cabras que guardava, com o máximo de zelo, não fosse alguma ficar tresmalhada.

Vivendo ainda em tempos marcados pelas práticas comunitárias na agricultura, expressas pela altruísta voz corrente “Se me ajudas, também te ajudo”, que Coura conheceu de forma muito humana, Zé da Naifa recebia todos os dias, contando também sábados e domingos, os rebanhos dos outros agricultores, que ele, juntamente com os seus muitos filhos, sabia administrar de forma sublime.

Era um mestre feito pela experiência que herdara de seus pais e avós, sentindo prazer no que fazia e no modo como os outros confiavam plenamente nesta sua eterna disponibilidade. E dizia que o seu ganha-pão lhe corria nas veias, por mais pobreza que daí adviesse.

Recebendo tanta e tanta cabeça de gado, que guardava durante o dia, em pastoreio quase comunitário, organizava vários rebanhos que distribuía pelos filhos, deixando os que iam para os lugares mais longínquos para os filhos de maior valentia corporal.

Em contrapartida, Zé da Naifa pouco ou nada recebia pelo trabalho realizado, a não ser produtos do campo, sobretudo o milho para a broa, cozida no forno que edificara junto ao casebre onde vivia, alguns ovos e, raramente, um frango ou uma galinha. Dinheiro nem vê-lo, quanto mais sentir-lhe o cheiro ou ouvir o som das moedas negras de misérias incontáveis, que bem poderiam narrar se por acaso falassem.

À medida que os anos lhe deixavam rugas cada vez mais profundas no rosto de um longo sorriso, que sempre mantinha, Zé da Naifa sentia que as forças se iam quebrando, não sabendo bem a razão, mais ainda quando agora tinha de andar mais tempo pelos montes, porque seus filhos tinham começado, uns atrás dos outros, como num carrossel colorido das festas do concelho, a emigrar para lá dos montes de Espanha, em busca da realização de um imaginário poderoso e impossível de parar.

Emigrar era sinónimo de uma outra vida e os filhos do Zé da Naifa fizeram-no de forma natural, deixando para trás um pastor cada vez mais debilitado, levando com os seus sonhos o fim de um pastor que sempre se orgulhou da sua nobre profissão.

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