Shopping cart

Subtotal $0.00

View cartCheckout

Publicação quinzenal dedicada à informação local de Paredes de Coura. Aqui encontra notícias, reportagens, entrevistas e agenda cultural do concelho. Um espaço de proximidade que dá voz à comunidade courense.

Opinião

No chão de Gaza crescem flores

04/05/20253 Minutos de Leitura
40

Chegou a Primavera. Este verde, abrilhantado pelos raios do sol, acorda os bons pensamentos e permite-me (tentar) esquecer a aridez daquele chão. Mas chegam as imagens, os sons, o choro, a destruição, o genocídio — e parece difícil pensar em minudências eleitorais, nos parcos reembolsos do IRS, na criminalidade de um país pacífico. Há dias em que não é possível pensar em mais nada.
Sinto-me cúmplice de um genocídio. Lá, naquele chão, estão a matar um povo. E nós, do lado
de cá, estamos a assistir. A Palestina é um lugar da História cheio de estórias. Vai para além do nosso presente. Estará para além do nosso futuro. Abraça as memórias. É uma terra bíblica, plena de cruzamentos culturais. E nós também somos filhos daquele lugar.
Se existissem escribas ou profetas do século XXI, poderiam agora narrar o presente em tom de parábola e revelar a perseguição, a morte e a maldade. O forte contra o fraco, num mundo complacente com a sua desgraça. E Sansão volta a matar em Gaza.
Lá, hoje, está calor. Ao pousar os pés na terra, ainda húmida das chuvas dos últimos tempos, fecho os olhos, imagino a aridez. E o azul mediterrâneo ali tão perto. Mas a morte seca, a destruição seca, a poeira dos destroços sufoca. Imagino. Só posso imaginar. Estar preso em Gaza, entre muros e azul. O mar e o céu.
Ainda existe o azul. E “O azul é muito importante na vida dos passarinhos/ Porque os
passarinhos precisam antes de ser belos ser eternos”. Roubo as palavras ao poeta mais bonito e lembro-me de um texto, da autoria de uma jornalista portuguesa, sobre os pássaros de Gaza.
Pudesse aquele povo voar, esconder-se das bombas e voltar, um dia, serenamente, ao seu ninho. Na reportagem sobre os pássaros de Gaza, descreve-se o dia-a-dia de duas mulheres que encontraram na observação das aves uma forma de serenar a vida. Ambas com mais de quarenta anos. Nunca conseguiram sair daqueles muros. Nunca saíram de Gaza, nunca obtiveram autorização para visitar o resto da Palestina, nunca se deslocaram à Cisjordânia.
Ao mesmo tempo, leio a notícia sobre uma exposição inaugurada no Porto, onde se expõe o trabalho de artistas palestinos. Num dia vejo o cartaz; no outro, noticia-se a morte de uma mulher, fotojornalista, presente na exposição. Uma arma israelita destruiu a sua casa. Mais uma família transformada em pó.
Que diria o sábio, o profeta, o escriba de nós? Que parábola ou metáfora encontraria para relatar este tempo, justificar a acção de algum Deus, retirar ensinamentos futuros? Num mundo em directo, somos todos, todos, todos, culpados por um genocídio.
Não sei se sentem a vossa culpa, mas eu, a cada dia, sinto mais a minha.
No chão de Gaza crescem flores. As flores de Gaza são cravos. Cravos vermelhos.
Gaza oferece-nos a flor da liberdade.

Autora- Joana Guerreiro

Notícias relacionadas