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QUOTIDIANOS

14 de Maio de 2019 | José Augusto Pacheco
QUOTIDIANOS
Opinião

 

 

Sou da terra do milho, ou seja, da terra de Coura, conhecida, mas no passado que no presente, como o celeiro do Minho.

Sempre me habituei a ver o milho como principal produto da terra, desde os campos lavrados e semeados em maio, até aos campos sachados, até ao S. João, senão o burro lá aparecia, por artimanhas de quem não aceitava o desmazelo campesino, e ainda até aos campos colhidos de canas e espigas, meticulosamente tratados no tempo da ceifa e depois nas desfolhadas, muitas delas noturnas, pelo menos na Casa da Veiga.

E do milho muito passou para a alimentação, tão presente na gastronomia local, por exemplo, nos biscoitos, nas papas e no bolo do tacho, que ainda, hoje em dia, pode ser saboreado em momentos protagonizados pelas associações locais e que tão bem sabem preservar na arca dos costumes e das tradições.

No entanto, em finais de abril, no percurso que fiz de carro, ao longo de quinhentos longos e quase intermináveis quilómetros, entre Brasília e Rio Verde, no Estado de Goiás, em pleno planalto, o milho esteve sempre presente, juntamento com a soja e a cana de açúcar.

É impressionante como a terra é tão vastamente cultivada e abundantemente produtiva.

Por isso, o milho foi meu companheiro de viagem, tanto nesse percurso que é adorável, quanto na gastronomia, muito mais explorada que a portuguesa, sobretudo nos doces e nos recheios, e ainda na cosmética.

O milho é omnipresente e o seu aproveitamento é deveras impressionante.

Aliás, a designação de Rio Verde – uma cidade muito pequena, para o Brasil, mas com cerca de 200 mil habitantes – reflete bem a presença do milho, ainda que, nos dias que correm, a produção de cana de açúcar seja a predominante, dado o seu múltiplo aproveitamento.

E passados dois dias, depois de uma viagem por Lisboa e São Paulo, regressei a Brasília, essa pérola da arquitetura moderna, saída do nada e dominante na paisagem política do Brasil, para fazer o caminho de volta, pelos mesmos pontos geográficos, como a passagem por Lisboa fosse estupidamente obrigatória, depois de existir no norte do país um aeroporto tão dinâmico e disponível para uma outra ligação à terra de Vera Cruz.

Ainda que não tivesse visitado a cidade em pleno dia, deu para perceber o seu traçado e senti-la mais no hotel junto do aeroporto, tão densamente povoado de pessoas em trânsito, com mil e um destinos levados numa mala de mão, que as companhias aéreas querem reduzir cada vez mais, para aumentar os tempos de espera na esteira rolante.

Do interior político da cidade, vivendo tempos conturbados, ouvi o eco da entrevista dada por Lula da Silva a dois jornais, mas prontamente desvalorizada pelos canais televisivos, tão coniventes e silenciosos com a virada liberal que o Brasil está experienciando, num confronto social que afasta pessoas e famílias, como se a política não tivesse um fundo mínimo de entendimento, não permitindo uma conversa saudável a partir de perspetivas diferentes, mas individualmente toleradas ao nível do bom senso.

E parece que o Brasil não está a conseguir essa base comum de um diálogo entre pessoas que reconhecem nos outros a diferença ao nível das suas ideias, que necessariamente têm de ser democráticas.

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