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Quotidianos

3 de Novembro de 2015 | José Augusto Pacheco
Quotidianos
Opinião

Somos feitos de caminhos que se cruzam com pessoas, que jamais esquecemos, e por estes dias elas tornam-se mais presentes, não só porque recordamos as que partiram para sempre, mas também as que connosco convivem e tornam mais úteis os dias que vamos passando com alegrias e tristezas.

Se esta encruzilhada de caminhos e pessoas faz a vida que temos, e que queremos manter, por mais obstáculos que surjam, há então uma razão de ser que está, em primeiro lugar, na ordem simbólica, que tecemos em torno da família e da comunidade, depois, no tempo histórico, que nos é dado percorrer, como se fossemos caminhantes de um só caminho, e, por último, no tempo pessoal, do qual nos vamos libertando à medida que nascemos, vivemos e morremos.

E, de seguida, um ponto final.

Porém, um grande ponto de interrogação pode ser formulado, se entendermos que a crença pode ajudar a tornar mais suave o que desconhecemos ou o que nos é relatado pela promessa profética.

E nesse rosário de incertezas ou certezas cada um tem as suas crenças próprias, obrigatoriamente legítimas porque resultam de uma construção coletiva e nunca de uma forma puramente isolada. Por isso, os caminhos colocam à nossa frente pessoas, de quem gostamos e para as quais desejamos a melhor sorte da vida.

Olho à minha volta e observo as pessoas que me são familiares, as que se tornaram minhas amigas e as que pura e simplesmente me ignoram.

Todas elas representam caminhos diferentes, com outras pessoas que andam em direção a um futuro que apenas será nosso na memória daqueles que nos recordam.

Apesar de meus pais, Arnaldo e Aurora, terem morrido há muitos anos, eles continuam bem vivos dentro da minha família, que sempre os traz em imagens e os recorda nas suas mais variadas facetas de uma vida passada na comunidade afetiva de Paredes de Coura.

Estas palavras escritas, próximas do dia dos fiéis defuntos, que é um marco na tradição cristã, são justificadas pela visita que fiz a um primo meu, que sempre admirei e que neste momento luta ferozmente pela vida.

Por mais que soubesse do seu estado clínico, de modo algum estava preparado para enfrentar tal situação. Tinha a sua pessoa inscrita nas minhas memórias familiares, recordando-me do seu abraço fraternal sempre que nos encontrávamos, ainda que mais espaçadamente no tempo.

Encontrei-o agora olhando-me no infinito, como se a vida tivesse parado para sempre. Falei-lhe muito acerca do nosso passado, feito de caminhos e pessoas que ambos conhecemos muito bem, sobretudo de nossos pais e irmãos, mas as suas palavras, balbuciadas na quase-linha do fim do tempo, criaram entre nós um grande e enorme silêncio.

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